09 março, 2010

Eu também não

Descobri hoje, nadando pelas internets, que não sei surfar (não tenho tatuagem nem bermudas de tactel nem prancha de surf), o blog não gosto de plágio. A idéia de apontar os plágios aqui e acolá, tão comuns nas editoras brasileiras, é massa, apóio e digo xis pra tirar foto com a autora do blog. Mas ó, tem coisas ali que me incomodam muito.

O que mais me incomoda é o tom de agimos em defesa do leitor que o blog tem, esse tom de camaradagem forçada e tão falsa quanto a assinatura sob os títulos criticados lá. Nem é verdade, embora talvez você até pense que sim.

Não há possibilidade alguma de leitor algum se beneficiar com nenhuma das propostas suas. Nenhum leitor. Nunca. Porque retirar de circulação as edições de traduções plagiadas significa tirar do alcance do leitor o conteúdo original da falsa tradução. E porque plágio de traduções não prejudicam o leitor, expensive books do. Nego no Brasil não tem dinheiro nem pra pagar cursinho de inglês, vai ter pra comprar os livros caros que há por aí? Faz favor, né? Tem que comprar o livro e se sentir um bosta porque vai ficar sem dinheiro pra pagar a energia - e, sem luz, vai ler como? Tá no trabalho o dia todo, chega em casa à noite e, pelo menos, tem um livro ali na estante. VAI VIRAR CALÇO DE PORTA. Com capa dura e tudo.

Fora a reedição, em plágio, de livros esgotados, esquecidos, que tanto beneficiam os leitores interessados, que os deixam saltitantes pela possibilidade de ler algo que estava fora de catálogo, impublicado por quaisquer problemas legais ou rixinhas entre o tradutor e a editora, nas brigas pelas porcentagens dos autores, editores, tradutores etc. ou pelo simples desinteresse de publicar algo que não dava mais lucro praquela editora, que vendia pouco ou nada.

Há nobreza em lutar contra algo que se acha errado, que acha feio, mas invocar defesa alheia me parece uma tentativa fajuta de conseguir a simpatia de todos - essa espécie de luta contra o mal aí, esses heróis sem capa nem espada todos.

Poderiam criticar a qualidade das traduções, mas isso não tem nada a ver com os plágios - significa, na verdade, criticar a tradução original, dizer que o próprio texto original não vale nada, que a tradução anterior prejudica o leitor.

Livros não são autoria: são conteúdo. O autor põe esse conteúdo no mundo, mas é tudo. Se o Dom Quixote não tivesse o nome de Cervantes seria ainda o Dom Quixote. Se Hamlet fosse do Zezinho da Ema, seria ainda o Hamlet. A existência de um criador não modifica a essência da criatura (se tiver algum filósofo aí, perdoe minha incursão precipitada no seu ramo de que nem conheço nada). As coisas são por si (de novo, mal aê, cara. Respeito sua profissão à vera, queria ser seu aluno - mentira, nem queria).

Enfim, seria massa se o blog falasse em nome dos tradutores, que se lixam se os plágios ajudam ou atrapalham os leitores (uma dica: ajudam). Deviam criticar o que vêem de erro moral no plágio, se o vêem como erro moral. Deviam apontar os defeitos éticos, os pontos em que isso constituiria fraude (nem constitui, acho), deviam crucificar esses escultores renascentistas que imitavam os gregos, copiavam os gregos, do mármore no bronze, essas traduções que faziam de Atenas em Veneza, em Florença (ou não é plágio se a idéia de plágio não existe? Não é plágio se você dedica algo ao autor original? "A Modesto Carone, minha inspiração nesta tradução do Processo"?

Outra coisa interessante é a defesa das editoras que pagam por traduções com base no conceito de concorrência desleal. Te contar: nem é. Quem paga pela tradução vai, mesmo, cobrar mais pelo livro, claro. Mas vai também publicá-lo antes. E vai começar a vendê-lo antes. E lucrar antes. E perceber antes qual o nicho daquele livro, e poder reeditá-lo antes etc. Paga-se mais pelo pioneirismo que pela exclusividade.

Then again, tudo o que fiz foi uma passagem rápida pelo blog, uma leitura muito diagonal, mesmo, então posso ter apreendido mal o tom do blog, que de outra maneira não me interessa muito, mesmo, não me dá vontade de ficar ali redescobrindo que a Martin Claret publica plágios, porque tenho razões melhores pra não comprar Martin Claret - capa, diagramação, o número gigante da página. E porque eu compraria feliz uma edição de plágio bonita e sem nenhuma outra edição acessível - compraria fácil, porque sou pirata. Baixo seriados, jogos e filmes aos quais não teria acesso por não ter dinheiro pra comprar tudo de que gosto. E nem me sinto lesando empresa nenhuma quando faço isso, porque de outra forma eu não compraria o livro, não pagaria pela TV a cabo (nem esperaria um ou dois ou mais anos pra Bleach alcançar o ponto em que está - lixo, só fillers), não compraria o CD e muito menos o jogo de videogame, tão absurdamente caro.

Mas, claro, defendo qualquer um que sofra processo pra se calar. Sou contra um monte de coisas, sou rebelde, dou tapas na cara do direito de imagem, digo na moral que galera feia é feia mesmo e ponto. Apesar de achar que tem um ponto completamente inválido, não acho menos admirável a devoção com que a autora do blog (vou buscar seu nome, pera, é um nome legal), Denise BOTTMANN (nome massa. Me lembra Buttman, também, mas nem a ponto de me lembrar pornografia). E tão processando ela por denunciar plágios.

Isso é o mais absurdo da história toda. Nego faz o que na prática é um crime (na teoria há controvérsias, às quais sou muito afeito) e quer transformar em crime a denúncia a esse crime. É tudo tão pitoresco que eu faria uma gravura se não fosse tão incompetente, se, sendo canhoto, não tivesse duas mãos direitas. Alguém precisa lembrar aos brasileiros que falar tá na lei, que pode, e que escrever é tipo falar, mas com desenhinhos (do único tipo que eu sei fazer de desenho, mó deprimente isso, tendo eu toda essa gana de fazer desenhos massa que funcionam tão bem na minha cabeça, mas saem tão mal no papel. Sai tudo stick figure desproporcionado, braços maiores que pernas, corpos miudinhos). Agora qualquer opinião é caso de justiça, qualquer posicionamento é dano moral, nessa nova América caricatural. Porque o povo sempre imita o lado ruim do desenvolvimento alheio? Vai imitar as estradas bem-feitas, os jardins bem cuidados, vai.

07 março, 2010

Mais Hokuto no Ken

Eu, depois de ver uns quantos episódios de Hokuto no Ken - uns 20 e poucos, só, interrompidos por uma série de divagações meio tontas e desnecessárias, como rever uns episódios de Pokémon (14, acho, até o episódio do Bill e do Dragonite gigante e toda a obsessão besta do Bill pelos Dragonites, que nem são raros nem nada - o Lance parecendo ter uma coleção deles, na verdade, que nem a coleção de Taurus do Ash ou do Gary), jogar Final Fantasy IV pela primeira vez (e zerar em um jogo de quarenta e poucas horas e com o arrependimento de não haver levado a turma pro level 99, todo mundo entre 60 e 65), ler um LIVRO SECRETO que tô quase terminando, ler Tirant lo Blanc, que tô longe do fim, começar a reler Dom Quixote (com olhos de estudante, observando o mundo todo ironicão que Cervantes coloca como uma coisa toda proposital, como se nenhuma palavra fosse fruto de acaso ou de destempero momentâneo do autor, porque assim parecem gostar as professoras), ver filmes da Disney e do Studio Ghibli, comer muitos bolinhos de chuva (duas vezes), jogar Campo Minado com pequenas obsessões com porcentagens de vitórias, zerando as estatísticas sempre que caíam abaixo de 75% ou passavam de 80 depois do jogo 100, ler Hunter x Hunter até chegar no ponto da publicação atual, me dando o compromisso de acompanhar agora três mangas semanalmente, começar a ler também Berserk (tão macho quanto Hokuto no Ken, apesar da viadagem do elfo tentar dizer algo desnecessário, lembrando que o mundo não é assim tão macho - comecei a ler o manga também.

Acabo de começar, na verdade, ainda pela metade do primeiro capítulo me interrompi pra escrever esse post com algumas coisas sobre o que o pessoal aqui na Espanha chama erradamente de "ciencia ficción", que chamamos no Brasil de ficção científica de forma tão acertada que dá vontade de abraçar o idioma (até eu lembrar que o Kenshiro jamais abraçaria idioma nenhum e me recompor).

As coisas na verdade são só duas, bem simples e bestas e gerais e que todo mundo sabe, porque estudo jornalismo e minha função principal na faculdade é chegar sempre por último pra informar a galera que não se importa o suficiente pra se mover atrás de informação com informações atrasadas que vão fazê-los pensar "uau, que mundo, né?" e acreditar que o twitter é uma revolução digital, essas baboseiras que todo jornalista divulga por amor à arte de mal-informar:

A primeira é relativa às datas escolhidas. Hokuto no Ken nem se dá o trabalho de disfarçar a proximidade da coisa toda e destrói o mundo com bombas atômicas no ano de 2010. Um monte de ficção científica dos anos 70 se passava nos anos 2000, nessa Terra de carros voadores e rebeliões cibernéticas de robôs muito mais inteligentes que o homem que decidem escravizar a humanidade, pá.

O que me passa pela cabeça é que, se eu fosse escrever um livro de ficção científica, eu o faria de forma a ser possível sua apreciação por mais que a minha geração ou a minha geração e a dos meus filhos, como é o caso. Faria um futuro pós-apocalíptico ambientado num futuro realmente pós-apocalíptico, que pode ser 2013, se os Maias (Incas? Astecas?) estiverem certo, ou 25700231, quando na realidade o sol já vai ter se apagado há algumas décadas, mas não no livro.

Sei que essa proximidade da data dá toda uma sensação tangencial à coisa toda pra quem lê pioneiramente, que fica todo apreensivo com a proximidade de tudo aquilo que está ali, tal. Essa falsa ligação tão real que o tempo faz entre o cenário da história e o mundo aqui nosso que é necessária, até, pro gênero ser levado a sério. Mas o que me importa mesmo é como essa imagem toda se desmonta em inocência, em bobagens, quando passa um só dia do prazo estabelecido lá na história, um tipo de alívio de descobrir que a bomba-relógio não estava carregada, que foi um trote, né?, que acaba até mesmo desligando os sensores morais que a ficção científica está sempre querendo acender (esta uma das razões por eu achar tão chato o gênero todo, essa idéia fixa de que se não seguirmos o roteiro ali vamos virar um monte de macacos olhando um monolito numa cena de quarenta e oito horas de massacre de cinema, ou não era assim o 2001? Não lembro, dormi o tempo todo - pior filme de todos os tempos).

Aceito que posicionar a história aqui do lado, pra que meu filho possa ver, ou mesmo o eu velhinho, já de bengala e dentadura e vergonha de sorrir por desconfiar do poder real do Ultra Corega Adesivo, seja interessante pra acionar todos eesses botões morais com mais força, ligar uma espécie de ALERTA VERMELHO, mas também, quando passa, falha tanto em valer de alguma coisa, fica com aquela cara triste de piada velha, de mentira, de Pedro e o Lobo, que, por mais que um dia possa acontecer, ninguém vai nem acreditar, porque você já mentiu uma vez, autor de Sci-fi.

Daí que uma história em 25700231 ia falhar na ativação do ALERTA VERMELHO, mas funcionaria como um alerta-outra-cor-menos-importante por muito mais tempo, tipo um download em conexão discada, lentinho, mas duradouro, funcionando por milhares de décadas, minha linhagem já extinta - ou quase, se eu tiver tantos filhos quantos gostaria e todos me derem tantos netos quanto eu gostaria etc. - até lá. E com a vantagem de, quando se aproximar tudo, quando chegar, sei lá, 25700171, o alerta vermelho ainda vai ativar, já que a única ligação do futuro sci-fi com a realidade costuma pesar na data, mesmo.

A segunda coisa é que o mote principal de Hokuto no Ken parece ser "Baratas e gente má sobrevivem à radiação nuclear". E gente má usa aquelas tatuagens e motos, aqueles cortes de cabelo doidões, uns moicanos muito fera, muito de quem anda em ônibus lotado pra se esfregar na menina triste sentada ouvindo o MP3 voltando da escola que não tem como encolher mais o ombro do que já está. O povo bom é todo recolhidinho, acuado, porque deles só sobrevivem os mais fracos, os mais desanimados, mas dos malvados sempre tem uma carrada por aí, em gangues numeradas e muito bem organizadas e motos maneiras (a única coisa, pra mim, que caracteriza melhor um vilão que uma moto toda potentona de umas doze mil cilindradas é uma camisa/casaco/sobretudo de gola alta, mas cada nunca muito misturados pra não destoar: moto é vilão de gangue, gola alta é vilão de castelo, é um barão que é vampiro, um conde que maltrata criancinhas com aulas de Moral e Cívica e senhoras gentis e delicadas que colhem margaridas nos parques com exibição de filmes do Kubrick).
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(Um dos episódios de Hokuto no Ken me deu até uma idéia pra um conto sobre uma cidade dominada por duas gangues em concorrência direta pelas propinas dos moradores, que mantêm um equilíbrio delicado entre ameaças de mudanças pros bairros da outra gangue e a sobrevivência a despeito de estarem sob o do jugo dessas gangues, uma coisa muito panfletária, mesmo, tipo os contos do FDR pro OrdemLivre, que nem deixam de ser legais por serem panfletos, na verdade, mas a preguiça me impede completamente de escrever sobre esse povo aí, e essas gangues de gente com moicano e motos cavalonas).
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Seria este o post mais desarticulado da história deste blog? Difícil precisar, mas como são quatro e meia da madrugada aqui em Sevilha, e como eu nunca escrevi assim tão tarde, é provável que sim, seja.