29 maio, 2008

Porque acho que a vida não se resume ao Brasil,

sou contra o homicídio.

Eu não sei se você tem opinião formada sobre pesquisas com células tronco embrionárias, mas eu tenho sérias restrições em milhares de aspectos.

A pesquisa, segundo as regras discutidas no Brasil, só pode ser feita com células de embriões congelados há mais de três anos e incapazes de desenvolvimento. Isso é lindo e tal, mas uma pergunta anterior a essa conclusão deve ser feita, e alguém deve ter feito, mas eu nunca vi ser levantada: até que ponto é justo criar um ser humano em laboratório e congelá-lo sem sua autorização? A partir do momento em que aquilo é uma criança em potencial, é justo interromper seu desenvolvimento como quem fura uma bexiga cujo objetivo final é mesmo explodir?

A questão, portanto, não é uma luta contra a ciência. É a obediência à ética. Qualquer pessoa que apóie irrefletidamente (pode haver argumentos que me provem errado, não os conheço) a pesquisa com células embrionárias para o desenvolvimento da ciência age, e não faço restrição ou ressalva, exatamente como um médico nazista que acha que tirar o cérebro de um negro vivo pode ajudá-lo a desenvolver mais rapidamente a medicina.

(Acredito, sim, que os embriões podem trazer benefícios infinitamente superiores se pesquisados do que se deixados de lado para nascer. Os métodos nazistas também eram bem mais eficientes que os éticos. A questão é outra. É quem deve vir antes: a ética ou a ciência, e eu digo que a ética. Se você responde "a ciência" - não quero discutir esse tema agora, muito longo - devo dizer apenas que você está errado a priori, e que optar pela ciência acima da lógica é optar pela irracionalidade sobre a razão, a vontade sobre a realidade e a necessidade, e isso não vai acabar bem pra nenhum de nós, meu amigo. Também acredito que aceitar essa idéia do bem maior é aceitar o roubo para redistribuição, o assassinato de bandidos etc. O sacrifício de um para o benefício de milhares não deixa de ser sacrifício, e, se não houver outra forma de resolver um problema, é porque ele não existe pra ser resolvido. Se a humanidade dependesse do assassinato de um homem para sobreviver, o fim dela seria inevitável, a escolha seria entre o fim e o fim, qualquer um que finge que leu Kant sabe disso. É sempre mais fácil explorar os indefesos, e a saída fácil ao extremo é explorar o extremamente indefeso e outra carrada de coisas que significam mais ou menos a mesma).

Outro problema que vejo é o congelamento em si, isolado da pesquisa. É justo interromper o desenvolvimento de um ser humano que deseja se desenvolver apenas para um bem maior?

A única forma de desenvolver esse tipo de pesquisa com células tronco de forma ética, portanto, seria com com embriões criados em laboratório para fecundação imediata (ou seja: não haveria agressão, o processo seria similar ao sexo tradicional) que se mostrem incapazes de evoluir ao estágio de feto - isso considerando, algo que não sei, que a ciência é capaz de afirmar isso sem que haja possibilidades de erro.

A utilização de embriões em pesquisas é aborto ou agressão (como alguém que me arranca um braço para ver como desenvolver braços fortes e bem construídos como os meus, ou, serei mais delicado com a comparação, arranca fios de cabelo contra a minha vontade pra fazer um teste de DNA. Da mesma forma roubam células de um bebê que seria). Aborto e agressão são crimes, e como crimes devem ser punidos. Enquanto isso os deputados estão ali, decidindo se um crime é crime ou não, simplesmente porque querem. Podiam estar jogando críquete. Podiam estar roubando (haha) (digo, roubando, mas estão lá, fazendo algo que a população normal não pode. Sou contra a lei que proíbe a apologia ao crime, mas esse povo que a defende podia parar com seus dois pesos e aplicá-la também quando não é seu interesse, para ver onde pararíamos.

Enfim, depois de concordar com o Pedro Sette sobre o aborto (especialmente os 50%), digo que todos os argumentos dele são válidos aqui também, sintam-se à vontade pra substituir como queiram.

Ps.: Quando legalizarem o assassinato científico de velhinhas centenárias em busca do segredo genético da longevidade, foram avisados.

Pps.: Não é eticamente que digo, mas acho o assassinato de velhinhas (o gênero escolhido é só pela estética da palavra) e bebês pior que o de um homem de quarenta anos. Os bebês pelo futuro, que têm todo, e as velhinhas pelo passado, que conhecem inteiro. O quarentão está no meio do caminho e, como tudo o que é medíocre, não me desperta zelo.

Ppps.: Antes que me venha com "mas um embrião não é uma pessoa" pergunto, semi-filosoficamente: "e o que é uma pessoa?"

- É algo que tem cérebro.
- Vacas tem cérebro.
- Não, não, tem que ser bípede.
- Um orangotango seria mais humano que um perneta?
- Você tá apelando. O cérebro tem que ser capaz de raciocínios complexos!
- Se alguém tem Síndrome de Down deixa de ser humano?
- Não, os pensamentos não precisam ser muito complexos. Minimamente complexos...
- Hum... seriam os cantores de pagode o limite?
- Por aí, mas sem óculos escuros.

etc.

O critério que mais me agrada é o genético, e ainda assim com ressalvas. É gente quem é formado completamente - ou com grande aproximação - por cromossomos humanos, 2n=46, ou trissomias, monossomias e síndromes semelhantes.

Pppps.: Se todo mundo nascesse político e brasileiro, aborto/homicídio deveriam ser lei, e provavelmente o processo todo seria para proibir essas coisas. Porque, meu amigo, aprenda bem a lição: se um político vai à praia, a ética diz que a fazenda é melhor, e o oposto é tão válido quanto tudo o que eu falei neste post - aqui te deixo sem jeito de discordar de mim, já que isso acarreta concordar e ficar cada vez mais parecido com este homem, mesmo que eu não saiba se ele é contra ou a favor das pesquisas, não importa.

Ppppps.: Tem uma instituição, ou um movimento, sei lá, um órgão, essas coisas, a(o) Movitae, que diz, ao mesmo tempo, ser a favor da vida e, por que não?, qual é o problema?, contra a vida, já que acha legal esse negócio de matar embrião por aí. Outro tipo de raciocínio torto é o do estupra, mas não mata, que diz que acha ok pesquisar com os embriões, desde que eles não morram no processo - tira só um bracinho que tá tudo bem. Quê mais? Este já é o maior post de todos os tempos? Não sei, não sei. Depois talvez eu poste mais sobre o assunto, mas não confie muito. Eu nunca termino o que começo, sou tipo um embrião abortado, mas espontaneamente, sem crime e tal.

Pppppps.: Não gosto de numerar os pêésses, mas penso se este post não seria o caso. E, já que você chegou até aqui, bônus link completamente aleatório: aqui.

Democracia

Na democracia, todos somos soberanos. Apenas alguns são mais soberanos que outros.

28 maio, 2008

Hoje revi A Rosa Púrpura do Cairo. Quatro anos depois da primeira vez, eu tinha esquecido de como um minuto vale muito. Setenta e dois deles podem deixar qualquer um feliz.

27 maio, 2008

Deixa eu dizer 1 (quatro) coisa:

O Pedro Sette está certo, o Sérgio Biasi está errado - e não é preciso ser católico pra dizer isso -, eu li Morte e Vida Celestina (o link está errado, mas eu já li esse e os outros também) e achei bacana e a Kim Kardashian seria mais famosa se dançasse funk no Brasil. Depois eu talvez fale bem do livro pra vocês, mas antes, provavelmente, falarei bem da Kim. Dassit.

18 maio, 2008

Observação necessária:

Quem diz que lê de tudo geralmente não lê nada que preste.

17 maio, 2008

A triste história de um flamenguista

Ele nasceu flamenguista, e, portanto, pobre. Mas foi contra a vontade, coitado, ninguém escolhe essas coisas. Por isso sua vida foi toda uma tentativa de subir na vida, tornar-se vascaíno ou até fluminense, que é o máximo que pode querer um carioca. Quando tinha quinze anos foi aceito na torcida do Botafogo, porque um dos cinco membros tinha morrido e eles queriam alguém pra reposição. Foi o único voluntário.

Mas sua alegria não durou muito: expulso da torcida - que até hoje tem quatro membros, apenas - por ter sido pego roubando ingressos do jogo contra o Bangu, voltou à base da pirâmide, onde aprendeu, como todo flamenguista, a traficar drogas e seqüestrar bebês, mui canhestramente, que flamenguistas não são conhecidos por fazer nada direito.

Morreu flamenguista - porque uma vez Flamengo, nunca se endireita - de tiro na bacia, conseguido em fuga da PM. No seu velório, uma bandeira do Flamengo feita de chita cobriu o seu caixão, sem seu corpo dentro. O corpo foi entregue aos urubus.

14 maio, 2008

As cabeças trocadas

Toda vez que leio um romance ambientado na Índia, ou com toques de filosofia indiana e ascetismo, como este As Cabeças Trocadas, do Mann, que li ontem, percebo que, quando saio de casa, todas as cores nas ruas estão mais opacas, e até o amarelo vibrante do Posto Ipiranga na esquina de casa me lembra o fosco de um ocre pálido. Pode ser, sim, que isso se deva ao ambiente meio semi-árido que minha cabeça deve simular, tendo eu nascido onde a terra e as plantas são todas descoloridas.

Mas acredito que tem outro motivo, bem menos naturalista - até porque nunca convivi com plantas secas, apesar de próximo a elas, e o brilho sempre foi forte no reflexo do Sol no São Francisco. Acredito que as cores do mundo somem depois que eu vejo cores mais fortes nos romances, como o sangue de Nanda e Shridaman esguichado no templo.

Aliás, motivo maior deve ser o fato de que as cores são irrelevantes quando leio esse tipo de romance, e, embora o ambiente seja parecido com o que deve ser o semi-árido, ou antes, deva parecer com o que é o semi-árido, os personagens parecem não ligar pra isso, nunca, e a seca é suprimida pelo tom calmo - sobretudo calmo - e discreto assumido pelos narradores, Mann ou Hesse ou quem quer que seja.

E o romance acaba sem de fato ir embora, fica guardado em mim enquanto eu caminho ao mercado pra comprar leite. Na volta, as cores voltavam aos poucos a ter brilho. O brilho que vem com todo esquecimento.
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Sentimento oposto a esse foi terminar Freddy and Fredericka. O mundo assumia mais cores - na verdade, mais brilho e contraste - que de fato tinha - e falo, de fato, de situações físicas, não de metáforas, quando me refiro a brilho e contraste. Coisa de retina, não de alma. O mundo fica, sim, mais bonito quando se termina Freddy e Fredericka. Bonito a ponto de esquecermos as pessoas ou que há pessoas nele. Quando terminamos As Cabeças Trocadas o mundo é esquecido e as pessoas nos importam mais. Em ambos os casos não somos mais só nós mesmos.

Acho que o romance ideal é assim, mexe com suas noções, balança sem destruí-las, e, depois de um tempo, você as tem de volta, com algo a mais ou a menos, mas de forma muito discreta, muito delicada, você só sente que algo se alterou de vez em quando, e que foi suave e não doeu. Qualquer mudança dolorida é castigo, não benção. E Thomas Mann nos abençoa com sua alma gay e atéia, embora Helprin esteja lá evitando que essas influências negativas nos atinjam.

13 maio, 2008

Sempre que vejo notícias de invasões de universidades públicas e reitorias, penso se não seria mais útil se ninguém desse a mínima e aquilo tudo virasse abrigo e terra pros desabrigados e sem-terra. Até um estudante comunista sujo vale mais que toda a produção acadêmica brasileira - ao menos eles são vivos, embora sibamos que vão morrer de difteria em um ou dois anos. Os sem-teto, então, nem se fala.

Além disso, no caso dos sem-teto (que vi tinham invadido da UFC), não sei até que ponto a supérflua educação - especialmente superior - tem (ou deve ter) prioridade sobre a necessária moradia. Ninguém, nem nada, existe sem lugar, sem ocupar um espaço, e, sem educação superior, o mundo fica melhor a cada dia e pode-se, na pior das hipóteses, semi-existir, que é o que fazem hoje os acadêmicos.

Os críticos usuais do Estado, entretanto, adoram criticar aqueles que agem diretamente contra ele - concedo, é uma posição mais limpa a de eterna oposição, a do não me misturo, mas entre ficar limpo e me jogar na lama com a Mulher Samambaia, minha decisão está tomada (pelo menos no blog, que na vida é a preguiça, e não tem Samambaias em Recife, believe me fellas) - geralmente por conta de os invasores usarem uniformes vermelhos e o pessoal que às vezes é coerente escrevendo não gosta muito desse cor, lembra sangue, e mancha de sangua não sai de jeito nenhum. Para mim, o vermelho tem tons mais puros que o do sangue, e uma papoula vai bem no chá, vocês sabem. Comunista? Se for, com a convicção de estar certo e a certeza de ser convicto, e de achar o Estado mais incorreto que qualquer um que o defenda vez em quando.
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O único tipo de gente que consigo imaginar discordando de mim é uma colega de faculdade que, expondo os defeitos do bairro mais pobre de Recife - renda média de menos de cem reais, zero de saneamento, dentre milhões de números - destacou como o mais alarmante a alta taxa de analfabetismo. Nojo.

Mais ou menos em resposta a ela, escrevi esta crônica, para outra disciplina, um semestre depois (uns 8 meses atrás):

A História de Cirilo Matos (ou A importância de ler bastante)

Cirilo Matos tem doze anos e seu passatempo predileto é ler. “Que belo!”, diz o leitor entusiasta da educação, “Que belo!” Morador da favela do Coque, tem acesso a muitos livros que a Biblioteca Popular do bairro disponibiliza. Amante de Machado de Assis, já por quatro vezes se aninhou nos braços de Capitu pelas cento e poucas páginas de Dom Casmurro.

Cirilo largou o trabalho pela leitura. Muitos Quintanas e Bandeiras entraram pela porta de sua casa. Antes entravam chicletes para ser vendidos dentro de ônibus. “Que belo!”, pensa novamente o leitor desavisado. Mas o pai de Cirilo não acha nada disso belo. Com o dinheiro que ganhava no trabalho o menino era responsável pelas economias da família. O pai de Cirilo não ganha o bastante para fazer sobras, tudo é gasto com leite e pão, e o sonho de um dia ter uma casinha própria foi relegado pela vontade de Cirilo de ler bastante, até a vista cansar.

Cirilo não começou a ler à toa. Disseram que a educação é o melhor caminho para deixar de ser pobre. Ah, grande futuro terá Cirilo, se estiver vivo até lá. No Coque às vezes não se chega a conhecer o futuro. Cirilo quer ler pra que seus filhos não vivam onde ele vive e tenham a certeza de chegar aos trinta. Que não vejam as balas perdidas que ele viu entrar quatro vezes quarto adentro, e Cirilo se esbalda nas páginas amareladas de um livro qualquer.

Ele viu seu pai adoecer. Foi triste ir à biblioteca enquanto o pai gemia de dor, mas Cirilo tem um compromisso sério com o futuro. Terá uma família a sustentar, precisa pensar bem nisso. “As gerações passadas não importam como as futuras”, pensa, esquecendo que a geração que o criou é real e que a que ele criará ainda não existe. Mas sua mente é muito fantasiosa, efeito dos romances que devora sem cansar, e o futuro pra ele está tão desenhado quanto o passado, com cores muito mais brilhantes

Aos doze, Cirilo ainda não conhece seu futuro. Eu conheço. Com quarenta anos ele será o morador mais culto e pobre do Coque, mas insistirá em ler cada vez mais, esperando que o dinheiro da leitura chegue um dia. Trabalha apenas meio período e dedica o resto do dia a ler. Com oitenta anos Cirilo morrerá sem jamais enxergar um centavo por todos os livros que devorou. Culto, pobre e solteiro, ninguém vai chorar em seu velório. Pelo menos Cirilo não deixará a ninguém o legado de sua miséria.

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Eu jamais teria transcrito essa crônica aqui se não fosse o fato de, dias atrás, uma outra colega, também fundadora da biblioteca do Coque e a quem sempre julguei tão porta quanto a primeira, ter vindo me dizer, sem menções a nada, completamente aleatória, assim que me viu, que eu estava certo quando a escrevi, e que a biblioteca do Coque parecia não fazer mais tanto sentido. E pela primeira vez eu descobri como é bom doutrinar as pessoas pro caminho certo. Agora falta ensiná-los a coçar minhas costas.

09 maio, 2008

Primeiro pedaço de conto ainda não titulado

Introdução

Nasci aos doze anos de minha mãe, saído de uma barriga que em largura excedia o comprimento da pobre mulher. Mamãe era mulher de tanta fibra que esta, entrando-lhe pela cabeça, atrofiou-lhe o cérebro e a capacidade de raciocínio. Toda a vida eu segui os passos de uma mulher que, se não pensava antes de agir, agia sempre com tanta força que sua vontade se impunha sobre a dos intelectuais que deixavam seus neurônios invadirem seus músculos de tal forma que perdiam a capacidade motora por falta de mielina. Mamãe, metro e meio de altura, desempregada, sempre nos criou e educou para o crime, profissão que sigo hoje sem receio, mas com o cuidado para que meu ímpeto não se transforme em pecado ou prisão e para que meu cérebro não descambe para a consciência pesada ou o respeito às normas. Há uma brecha entre as leis humanas e as leis divinas, e me entranho nelas, usando de uma para me desculpar da outra. Se peco, nunca é cometendo crime. Se cometo crime, estou certo que não é pecado.

Sou naturalmente muito ético: as regras, para mim, devem ser seguidas. As leis da natureza não podem ser desobedecidas, a menos que por mim mesmo. Ajo como se as houvesse criado, e desde sempre acredito que, se não vôo, é por alguma injustiça que tornou-me impossível burlar a lei da gravidade - a única que Deus permite a todos que burlem, por saber que ninguém o fará. Ainda assim, mesmo não voando, flutuo de telhado em telhado nesta pequena cidade onde nasci, por onde teço minha modesta teia de pecados. Sempre, no entanto, com o perdão divino, que é justo, ou o da justiça, que nem sempre.

Tem uns poucos milhares de habitantes e casas térreas próximas umas das outras. São fáceis de invadir, e sempre têm muita coisa jogada sobre a mesa: jóias, relógios, contas a pagar e a despreocupação da classe média que tem débito automático em todos os boletos. Os telhados são quase todos sólidos como se fossem o próprio chão, e é possível sapatear sobre eles tanto quanto em um palco que dentro das casas não se ouve nada, e fora dela nada se vê - e, com os sapatos que uso, pouco se ouve. Mesmo eu, com ouvidos potentes que tenho, não identifico bem quando estou andando e quando estou parado. É mais fácil ouvir minha respiração que meu andar, devo dizer sem modéstia. Minha inspiração é mais pesada que meu corpo, e a cada vez que sorvo o ar sinto meus pulmões querendo me levar aos céus, impedidos apenas pelo peso de meus ossos.

Meus olhos, largos, são fracos na dianteira e quase impotentes na laterais. Meus ouvidos, por outro lado, jamais viram par em maestro algum. Cada folha que farfalha faz um som único, e consigo transferir minha atenção de uma por uma, até que escute aquela que, pelo barulho que causa a tocar o chão, seja a mais verde dentre elas. Numa multidão, escolho dentre todas as solas de sapatos as mais novas pelo som que provocam no solo, ou as mais nobres, de couro, distinguindo-se das borrachas de sapatos mais simples. Minhas vítimas nunca se vestem mal, e sei disso não porque as enxergo, mas porque ouço o som do veludo que se esfrega em si mesmo quando elas balançam os braços para caminhar e roçam o cotovelo nas costelas.

Para fugir ao mesmo tempo da ira de Deus e da prisão, tento nunca roubar ninguém. Apenas furto. Não há nada contra o furto nas tábuas sagradas, segundo minha versão da bíblia. Confesso-me às sextas, com um padre que se horroriza com meus atos, mas é gentil na hora da pena, sempre atribuída pela única infração em que recaio infinitamente, a sétima. Idoso, o padre parece adepto de idéias inovadoras que o levam, em arrependimento, a flagelar-se com chicotes que marcam seu rosto tão intensamente que algumas cicatrizes são visíveis mesmo através da semi-escuridão que passa pela treliça do confessionário. Seu crime, acredito, é contra Deus. Os meus são contra os homens. Tenho vantagem no julgamento final.

Meu paladar é apurado para os amargos, defino um a um os sabores de metade dos venenos, e de alguma forma sou imune a eles. Para matar-me pela boca, entretanto, basta boa dosagem de doces. A diabetes me ataca, e meu apetite não se sacia antes de meu corpo. Morte feliz e sagrada é a morte de um diabético pelo açúcar. Aqueles que evitam a comida são covardes, e devem ser punidos com o inferno, onde estão todos os covardes e todos os valentes. A terra e o céu são morada dos cautelosos.

Mas, de todos os meus males, o pior e indesculpável é a incapacidade de narrar linearmente e com qualidade minha história, que nestas páginas se desenvolverá conforme permitir minha memória, maior de minhas qualidades.

Ei-los, enumerados, fracos e fortes de um bandido que escreve e tenta provar que estes, ao contrário das lendas que ficaram sobre mim, superam aqueles não só em número, mas em qualidade e paixão com que são explorados.

Reencarnação

Acabo de ter um insight que vai provar não só a existência de Deus, mas principalmente a das múltiplas reencarnações: Deus nem o diabo seriam tão maus, nem o acaso tão desastroso, a ponto de dar a alguém, por nada, alergia a chocolate.

É preciso ser muito mal numa vida anterior, acumular males durante dezenas de vidas, cometer milhões de genocídios e atiçar infinitamente a ira divina pra precisar redimir os erros sendo obrigado a não comer chocolate. Graças a Deus minha alma foi comportada durante toda a eternidade.

08 maio, 2008

Também quero ganhar leitores

Vou passar a falar mal do Reinaldo Azevedo. Funciona com gente muito melhor que ele, como o FDR e a dupla d'A Torre de Marfim. Logo logo todos os apostos viverão em função de Reinaldo Azevedo, porque, vocês sabem, eles precisam do Reinaldo Azevedo pra viver, coitados.

Rodrigo de Lemos criticará o vestuário. Espero comparações com personagens do século XVII - venezianos sujos, parisienses depravados, ingleses enrustidos. Ruy Goiaba expressará em forma de Música Pulular Bananense sua necessidade de leitores, e o Peerre deve fazer um curta com o tema "Porque Reinaldo Azevedo está errado", assim que superar a derrota do Flamengo. Esperem e verão. Esse pessoal dos apostos é um bando de interesseiros.

Venderiam a mãe por leitores.

07 maio, 2008

Vítima fatal

Morreu atropelado em 1997, ninguém anotou a placa. Depois, em vingança, matou todos os motoristas da cidade.

06 maio, 2008

Texto escrito num celular, dentro de um ônibus, e transcrito para o blogger através de um teclado semi-funcional de computador

No ônibus, até Helprin é chato. Virei de lado e dormi. Aliás, vou cumprir a promessa que não fiz e falar bem de Freddy & Fredericka. E talvez de Winter's Tale, vai do tempo e da paciência.

Aliás, não vou cumprir promessa não feita nenhuma, vou falar da minha viagem de ônibus de 10 horas de duração em que comecei a ler Winter's Tale.

Li as primeiras 20 páginas e estava muito bom e catchy. Aí o bebê começa a chorar, pessoas a comer salgadinho barulhento, e você não entende mais o que está lendo e o livro se torna apenas uma distração para os olhos, as linhas e páginas passando sem sentido pelas suas retinas, e compensa mais dormir que ficar ali olhando pra cara do Mark Helprin, que, por bonita que seja, não é mais que meus sonhos. E o ronco do vizinho começa a invadir sua alma com tanta intensidade que a distorce, transformando seu bom humor habitual em uma espécie de raiva tão intensa que só se justificaria se, em vez de abrir a boca para roncar, ele abrisse a caixa de Pandora na sua cara, e você luta por alguns minutos que parecem horas para dormir. Entre as sonecas, vale tentar escrever este post no teclado irritante do celular.

Boa noite.

Aliás, transcrevendo o texto do celular pro computador aqui em casa, me ocorreu que o ronco é mais ou menos como a caixa de Pandora humana - em vez de liberar todos os males do universo, libera todos os mau-hálitos da humanidade.

04 maio, 2008

01 maio, 2008

Blog novo

Djavan é meu pastor

A idéia geral do blog foi do Frost, que me deixou responsável pelos posts por não ter a menor idéia do que é MPB.
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E qualquer dia retomarei as atividades do Opinião Popular. Embora não saiba se vai durar o se vai ser só mais um post cheio daquelas verdades que o Servidor Público Federal dizia.