30 abril, 2007

Lista

Dez coisas que não deveriam existir, mas que eu tolero com mais resignação que o sorvete de creme maculado com passas:

- Pastel de nata com passas;
- Bolo de ameixa;
- Panetone de frutas desidratadas;
- Pastel de queijo com goiabada;
- Pizza de chocolate;
- Cartola (sobremesa);
- Sucos exóticos (cajá, graviola etc.);
- Açaí na tigela;
- Leite puro;
- Nazismo.

29 abril, 2007

Folhetim

Eu poderia começar este post perguntando o que Laurence Sterne, Lima Barreto, Charles Dickens, Daniel Defoe e Machado de Assis têm em comum, mas o título, parece-me, tornaria óbvia a resposta. Resolvo, portanto, começar com uma pergunta diferente: "Por que não existem mais folhetins?" ou, se minha pergunta for impertinente e a resposta a ela for "Há, sim, folhetins pelo mundo", adianto-me e transformo noutra pergunta, esta, certamente, constatação mais fiel da realidade: "Por que não existem folhetins no Brasil?".

O folhetim, pelos nomes que exibe, é a melhor forma de se escrever um romance; por isso, quando e se eu tiver um jornal, nele haverá um encarte, todo domingo, com um capítulo de uma história. E, assim, surgirão os futuros Oliver Twists brasileiros, os próximos Robinson Crusoés, Tristam Shandies atrás de Tristam Shandies.

Não sei quanto a vocês, mas eu compraria o jornal todos os domingos se nele viesse um Christmas Carol, uma Moll Flanders, ou um pedaço deles. E todos os leitores do meu jornal aguardariam o domingo, dia em que não ligam para a programação da TV, para acompanhar o crescimento de um jovem-escritor-cheio-de-promessas-e-esperanças. E, mais do que isso, as pessoas ansiariam pelos domingos para saber o que vai ocorrer com o personagem, como anseiam pelo próximo capítulo da novela.

Outra vantagem do folhetim é que os críticos o considerarão um gênero menor, e apenas quem importa vai ler: apenas aqueles de bom gosto. E, mais uma qualidade que o folhetim costuma ter, sua história é cheia, recheada de altos e baixos, de, perdoem-me as palavras, venturas e desventuras. As histórias dos folhetins não podem ser monótonas, e as pessoas passariam a ler toda semana. Não exagero que um bom folhetim pode fazer o Brasil evoluir a uma Inglaterra do século XVIII.

E o sucesso do meu folhetim traria outro, e outro, e outro, e logo teríamos dezenas de Daniel Defoes e milhares de pessoas sonhando em ser escritoras de folhetim. Depois também os jornalistas perceberiam como é ruim o que chamam de "estilo jornalístico" ecomeçariam a relatar os fatos em prosa leve, rápida, quase como contos, e quando isso acontecesse talvez eu lesse meu próprio jornal.

P.s.: Naturalmente haveria efeitos colaterais, como um ou dois Josés de Alencar, mas com o tempo ninguém mais ligaria pra eles, porque haveria coisas boas ocorrendo simultaneamente.
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Outro p.s., mas com outro assunto: quem se interessou pelo Púcaro Búlgaro pode baixá-lo aqui. Eu gostei muito.

27 abril, 2007

A flexibilização do Hai-Kai me permite criar poesia

Este verso não tem só cinco
E este passa das sete. O próximo não chegará a duas
Sílabas

este aqui é o melhor hai-kai já feito.

26 abril, 2007

Vai pela sombra

Enquanto andava reparou que as luzes dos postes criavam para ele quatro sombras à frente, e que os ângulos entre essas sombras somavam noventa graus, e olhando para frente, em linha reta, via a linha que dividia esse ângulo em dois iguais. Resolveu, por isso, andar em linha reta, para não perder o centro das sombras e do ângulo entre elas.

E assim andou por quilômetros, pois as nuvens e a chuva fina não permitiam que nenhuma luz viesse do céu, e porque aqueles quatro eram os únicos postes naquela rua. Quanto mais ele andava, mais as cabeças de suas sombras se distanciavam e mais ele queria conhecer os lugares por onde elas passavam antes dele. Lugares que sabia seguros porque suas sombras nada sofriam ao vasculhá-los.

Andou por dias, semanas. Andou sem perceber que pisava sobre a água, sem notar que escalava montanhas e que passava por precipícios caminhando sobre o ar. Até que perfez metade da circunferência terrestre e as suas sombras começaram a andar para o lado errado, ficando, antes disso, claras e menores, até apagarem-se e surgirem às suas costas. Foi só então que percebeu que estava na Índia. Aproveitou pra comprar Curry e andou tudo de volta, pelo caminho que já percorrera, pois, qualquer que fosse o caminho tomado, sua sombra não poderia mais acompanhá-lo pela frente e era mais seguro ir por caminhos já conhecidos, tenda a sombra à retaguarda.

Ao chegar, cozinhou um frango com o tempero que comprou no outro lado do mundo. E isso, mais do que qualquer coisa, fez dele uma pessoa feliz.

24 abril, 2007

O porquê de, ao descobrir que um escritor é comunista (e comunismo e socialismo são a mesma coisa aqui), deve-se ficar tentado a lê-lo

Imaginação. O que se busca em um romance é, além de um estilo bom (e disso os comunistas são tão capazes quanto os conservadores e os liberais e libertários), uma história pelo menos um pouco nova, fruto de uma imaginação capaz de grandes voltas para explicar como um personagem saiu de casa e foi à escola de forma superinstigante, ou como a Península Ibérica simplesmente decidiu sair navegando por aí. Ser comunista ajuda a ter imaginação. Todo comunista depara diariamente com as milhares de contradições do seu sistema, mas eles dão voltas, verdadeiros romances, e acabam culpando o grande capital estrangeiro.

É verdade, e não consigo deixar notar, sob pena de ser injusto ou excessivamente bondoso, que nenhum comunista que eu tenha lido mantém o estilo quando escreve suas teorias. Isso é, parece-me, exclusivo de gente com idéias certas, como Bastiat e Hans-Hermann Hoppe (e não, Bastiat não está na música do Zeca Baleiro, lá está Basquiat, escrito da errada forma Basquiá). Mas não importa o estilo, ninguém se interessa pelo que Wilde escreveu sobre socialismo (e nem deve se interessar, mesmo. O livro, li até a segunda página, é ruim).

Mas vejam bem: se quando se lê uma teoria ou um tratado espera-se a verdade, direta, ainda que de forma divertida, quando se lê um romance busca-se a mentira. E ninguém mente mais (e melhor) que os comunistas. Eles defendem Stalin, Mao e Pol Pot com o que chamam de argumentos (como, por exemplo, "Stalin matou milhões, mas o capitalismo mata dezenas de vezes mais, de fome); é fácil, para eles, acreditar no que escrevem, por mais que pareça mentira, e essa é uma lição que devemos aprender com eles. Aí reside o charme, a graça dos romances dos comunistas (jamais dos romances comunistas, assim, sem a preposição).

Alguns dos meus escritores preferidos são/eram comunistas. Wilde, Shaw, Saramago. E outros, sobre os quais eu não sei nada, pareceram-me comunistas nos romances. Se eu ligo? Eu adoro. A primeira sensação que fica ao descobrir que aquele escritor genial é comunista é um alívio imensurável. Se ele estivesse certo, se ele defendesse o mesmo que você, provavelmente você se sentiria menor, vazio, incapaz, algo parecido conosco quando lemos Mencken. É impossível discordar de qualquer coisa que ele diga e, ainda assim (e por isso), nós nos sentimos menores. Pelo menos eu me sinto. Acho que é culpa da pretensão, da vontade de falar e, quando finalmente falo, já vendo o resultado do que disse, penso "Mencken teria feito melhor" ou "Mencken já disse isso". Quando tentamos falar sobre nossas idéias, Mencken aparece e nos bloqueia. Ademais, para cada Mencken deve haver uns três ou quatro Wildes (guardadas as proporções, naturalmente).

Mas o Alexandre disse que o bom mesmo é amar alguns escritores. Ir à guerra com eles por amor (ou pelos interesses comuns necessários para que se ame alguém). Acabo de descobrir que Lima Barreto era anarco-sindicalista, de que discordo, mas que era, por isso, contra o serviço militar obrigatório, o patriotismo e contra o falso movimento feminista. Eu iria à guerra por isso. Eu iria à guerra com Lima Barreto. Mas eu não o amo. Depois eu travaria outra guerra contra o anarco-sindicalismo e talvez assinasse o alvará permitindo que matassem Lima Barreto (porque a minha guerra é burocrática, nela só morrem aqueles que eu permitir, porque, repare, essa guerra está só na minha imaginação e não quero sujar minha imaginação com sangue demais. Além disso, acho justo matar Lima Barreto hoje, porque ele está morto já há algum tempo e não ia sentir falta de sua vida). Também iria à guerra com Mencken, dessa vez até o fim (triunfante).

Mas, veja bem, ir à guerra é arriscado, e o fato de eu ir à guerra ao lado de alguém não significa que eu esteja disposto a morrer por ideais. Eu iria, sim, à guerra, mas seria encarregado de coisas menores. Assinaria os papéis que me pedissem, mas não empunharia uma arma, mesmo sabendo que eu não morreria se não assinasse papéis pedindo isso, porque as armas são pesadas e deve cansar andar pelo front procurando e mirando nos inimigos. Eu não seria um herói? A guerra é minha, a imaginação é minha e nela um herói é qualquer um que assine papéis permitindo que matem pessoas. E só quem tem esse poder sou eu.

P.s.: Tem um escritor anarco-individualista que quero ler, Campos de Carvalho, por causa desta resenha do Púcaro Búlgaro. Provavelmente eu o levaria para a guerra comigo.

23 abril, 2007

Lendo Seymour - uma introdução esta noite, lá pelas vinte ou trinta últimas páginas, parei de ler, de repente, porque me dei conta de que não foi Seymour quem mais me agradou. Foi Walt. Buddy quase não fala de Walt, mas quando fala sempre se refere a algo tão simples, tão óbvio que foi notado por Walt , que não consigo deixar de preferi-lo. É Walt quem supõe - e esse, para mim, por algum motivo que examinarei mais pacientemente, é o ápice do livro - que a mãe deles simplesmente perguntou a um guarda onde deveria comprar as roupas de seus filhos.

Seymour - e não tomem isso como uma antipatia por protagonistas - é, dos sete irmãos, o sexto em minha preferência. Walt, Franny e Zooey, Boo Boo e Buddy, Seymour e, enfim, o gêmeo de Walt, cujo nome não me recordo.

Isso não significa, de forma alguma, que Seymour seja ruim: só mostra que toda a família é de fato excepcional.
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Update: Lendo, hoje de manhã, às páginas restantes, Seymour pulou da sexta posição para a segunda, empatado com Franny e Zooey, e Waker, o irmão de que não me lembrava, empatou com Buddy e Boo Boo. Isso se deve a duas passagens em especial: à que fala de Seymour praticando esportes, vários esportes, especialmente bolinhas de gude, e seu jeito de praticá-los e à cena da bicicleta de Waker.

No fim das contas, a família é toda muito equilibrada, e Salinger, contando coisas sobre Seymour, nos faz afeiçoar a cada um dos sete irmãos.

22 abril, 2007

Boi com sede bebe lama, barriga seca me dá sono

Posso estar martelando infinitamente o mesmo assunto, mas não entendo porque tanta gente faz questão de falar de pobreza. Fazer a pobreza parecer bonita não é para os medíocres, só os bons podem. E João Cabral, coitado, já morreu. Só nos restou Petrúcio Amorim (e é sério) com sua "Filho do Dono" que, mesmo sendo piegas/clichê de vez em quando, tem, yay!, muito ritmo. Ritmo de forró. Clique (mesmo estando no site oficial, tem alguns erros aí). Se quiser baixar a música, clique. Está disponível no site oficial do, er, "poeta do forró".
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Defendo, sim, que todos os temas são possíveis para a arte. Algumas pessoas conseguem escrever bem sobre temas repulsivos, outras são capazes de pintá-los sem nos afastar. E, tirando o negócio de falar de "mundo sem amor", gosto dessa música. Mesmo da parte que fala de hipocrisia.

P.s.: Não me encham com esse negócio de "como você pôde comparar João Cabral a esse ninguém? Oh!, estou ofendido!". Não darei ouvidos.
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Manuel Bandeira não tinha telento pra falar de pobreza, por isso aquele poema "o bicho" que todos os professores fazem questão de mostrar para os alunos quando falam dele. O único poema do Bandeira de que realmente gosto é "Os sapos", principalmente a parte em que o sapo come o hiato enquanto fala sobre comer os hiatos e aquela que fala do "lavor do joalheiro", numa crítica, suponho, ao rubim de Olavo Bilac, que "num verso de ouro engasta a rima" de rubi com enfim. Nunca aceitei o "rubim" vindo de um parnasiano, parecia-me que ele era incapaz de achar uma rima adequada. E há quem critique o "futebol" com "rock 'n róll" do Chico Buarque. Pois se um parnasiano pode acrescentar uma letra a uma palavra, porque não poderia um cantor popular mudar uma entonação? Aliás, a atitude destemperada de Bilac possibilita que qualquer um se torne poeta parnasiano, pois para rimar não é preciso escolher a palavra correta, apenas modificar qualquer uma.
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Eu já falei que não sou fã de poesia? Então, não sou, mesmo. Mas gosto de algumas perdidas. Gosto de "José", do Carlos Drummond, não gosto daquele amor desvairado da Florbela Espanca. Não conheço muito de Fernando Pessoa, mas gosto de alguns dos poemas dele e mais ainda da campanha publicitária que ele fez pra Coca-Cola, na verdade um slogan, "primeiro estranha-se, depois entranha-se". E gosto do Mário Quintana com a mesma intensidade com que não gosto do Mário de Andrade. Cecília Meireles tem algumas poesias legais, como aquela que fala que não ninguém que explique e ninguém que não entenda a liberdade. Também tem aquele "ou isto ou aquilo", que lia quando menino e gostava, e aqueloutro da bailarina. Clarice Lispector, alegada "poetisa em prosa", jamais me agradou, e para mim ficou famosa só porque era esposa de um diplomata.
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Como não sou fã de poesia, vocês devem ter deduzido que prefiro a prosa. Pra mim a prosa é mais completa que a poesia, além de mais fácil. E não gera aquela contemplação meio imbecil a que se é quase forçado quando se lê poesia, mesmo que não tenhamos gostado, em busca do real significado do que o poeta quis dizer, insinuou. Não é necessário grande esforço para interpretar a prosa, nem se precisa ler a frase do fim pro começo, como no hino nacional. A prosa permite que a leitura seja mais rápida, mais fácil, tenha mais conteúdo e, dependendo do escritor, seja mais bonita e agradável que a da poesia.

Gosto desse tipo de poesia que citei porque é possível lê-lo em prosa, em linha reta: "O sapo tanoeiro, parnasiano aguado, diz: 'meu cancioneiro é bem martelado...'", "Essa menina, tão pequenina, quer ser bailarina. Não conhece o dó nem o ré...", "E agora, José? A festa acabou...", "Meu nome é Severino, não tenho outro de pia, mas como há muitos Severinos...", "É pirueta pra cavar o ganhar-pão, que a gente vai cavando...", "Não sou profeta, nem tampouco visionário, mas o diário desse mundo tá na cara...". Essas poesias não perderiam quase nada se se transformassem em prosa.

Só Mário Quintana, dentre eles, me parece um poeta puro, não-proseável ou proseável com dificuldade, e mesmo assim me agradam mais os seus poemas fáceis de transformar em prosa. Talvez a poesia seja superior quando consegue unir a forma da poesia e a linearidade comum na prosa. Em todos os outros casos, a prosa é infinitamente superior.

"O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim
O retrato na parede
Fica olhando para mim (...)"

Mário Quintana, Canção da Garoa.

20 abril, 2007

A questão

O que importa não é ser de esquerda ou de direita, o importante é estar certo.

Algumas pessoas legais, muito legais, inclusive, começam a defender idéias erradas só porque a esquerda defende a idéia contrária. É como aceitar que Scarlett Johansson é feia só porque Fidel Castro se engraçou dela: estúpido.

Exemplo: Guerra do Iraque. Diogo Mainardi, um cara muito legal, defende a Guerra do Iraque. Aposto que ele sabe, como eu, que guerras, e me refiro a todas as guerras menos às Termópilas, são ruins, erradas, estúpidas e, em última instância, comunistas - pois exigem que o Estado jogue tropas para matar indivíduos, às vezes pacíficos, com a desculpa de ser melhor para o mundo. Mas como Emir Sader e Zé Dirceu são contra - talvez por algum motivo estúpido, o que não vem ao caso -, Mainardi insiste que os Estados Unidos estão certos quando invadem o Iraque (e, suponho, ele diz isso mais para apoiar os EUA que para atacar o Iraque, algo no mínimo esquisito quando se fala de Guerra: "os EUA estão certos porque, apesar de terem iniciado a agressão, são o país mais livre do mundo").

So? Que tipo de liberdade têm os americanos? A liberdade de invadir cada casa do planeta alegando pra isso que nas nossas casas não somos democráticos? De impor democraticamente o regime que eles acham perfeito, apesar de nossas vidas não influírem em nada na deles? Pois que invadam minha casa com tomahawks, porque lá não temos votação quanto ao menu do almoço, não somos democráticos quando vamos ao supermercado nem decidimos por voto quem lavará a louça ou em que canal ficará a televisão. Meus pais são soberanos, verdadeiros ditadores.

Então, muito triste, com o coração apertado, partido em milhões de pedacinhos (e todos eles sem direito a voto), vejo-me obrigado a concordar com Zé Dirceu, Lula, Sader e Frei Betto, e discordar do Diogo Mainardi. O mesmo vale se Mainardi me chatear com comentários negativos sobre a aparência da Scarlett.

Agora, com licença, vou assistir Lost in Translation com o Palocci.

17 abril, 2007

Playing Olga

Às vezes me impressiono como há pessoas capazes de falar de forma interessante sobre coisas absolutamente banais, como o pudim de leite que comeu em alguma padaria às três da manhã, que estava mais brilhante que uma manhã de verão em alguma ilha grega, mais gostoso que a Salma Hayek, coisas assim, só que bem descritas. Eu me sinto incapaz disso e, portanto, vivo em busca de grandes histórias inéditas que jamais encontro - porque as grandes histórias não exigem um estilo grandioso, apenas uma forma relativamente bem elaborada e apropriada para o conteúdo.

Mas o que me impressiona ainda mais é que muitas pessoas não notem ser incapazes de transformar histórias medíocres em grande atração, e o Brasil está acostumado a não notar essa incapacidade naqueles que tentam fazê-lo. Olga, por exemplo, poderia ser um bom filme. Mesmo. A história não é das piores, mas foi contada, talvez, da pior forma possível.

Defendo aqui Olga Benário, não pelas suas idéias nem pelo que pensava do mundo, mas pela qualidade de sua história - teve uma filha enquanto estava presa, foi levada aos campos de concentração, torturada e tal. E transformaram a história dela em um espetáculo cômico. Chego a gostar do filme por ser tão patético, como há pessoas que se afeiçoam a animaizinhos por serem frágeis.

Nunca na história do cinema aliaram-se tantos clichês: Olga tem firmeza de caráter, ama um único homem durante a vida, e, enquanto está feliz, toda a natureza a acompanha. Parece um pouco com aqueles escritores, acho que românticos, brasileiros, que faziam toda a Terra sorrir quando o protagonista estava bem, mas que, quando ele ficava triste, chovia, anoitecia - e as noites duravam décadas, páginas e mais páginas de noite eterna. Olga é presa numa noite chuvosa. E Olga é líder: ela tenta interferir na tortura que fazem nas suas colegas de prisão, tenta conciliar todas contra o nazismo.

Os nazistas não são humanos. São nazistas. Todos têm olhar mais que severo, duro, seco e mau, muito, muito mau. Eles não falam sem antes chicotear, eles não pedem duas vezes. A carcereira de Olga no Brasil, parece-me, era incapaz de permitir que ela amamentasse sua filha até ela se saciar um dia sequer, porque ela era má. Um robô programado para impedir crianças de ser devidamente amamentadas. E quando tiram definitivamente a menina de Olga e ela vai ser deportada, Olga se agarra às grades de sua cela e grita "Assassinos! Assassinos!" enquanto cai chorando com o sapatinho de sua filhinha na mão. A carta que a mãe de Prestes pede para a carcereira entregar a Olga avisando que a menina está bem é rasgada pela carcereira nazista maléfica (e ela não demonstra nenhum sentimento enquanto faz isso, nem mesmo o ódio que se esperaria num conto infantil).

Mas não são apenas os clichês e a pieguice que acabam com qualquer possibilidadede levar o filme a sério. Clichês e pieguice não acabam com filmes, como prova "A cor púrpura", de Spielberg, a história de duas irmãs separadas por um casamento forçado pelo pai mau, em que o marido arrumado para separá-las é mau e desleixado e a quer apenas para sexo e faxineira, e ainda assim é um dos filmes mais bonitos que já vi. Olga, entretanto, é mal filmado e feio, os ângulos escolhidos são sempre os piores e parece que a produção contava apenas com uma câmera para gravar todas as cenas e com o mau gosto do diretor de fotografia (se é que havia um).

Assistir a Olga acaba sendo divertido porque é possível brincar, durante o filme, de achar o maior número possível de clichês e pieguices, e a cada dez deles somados antes do companheiro de filme (e adversário de jogo) pode-se obrigá-lo a pagar alguma prenda. Nos quinze minutos de filme que assisti com minha alterego e namorada Sharon Stone, ela imitou uma galinha e um macaco e eu dancei como a Carmen Miranda. Mais uns dois minutos e a Sharon seria obrigada a plantar bananeira e dançar ula-ula com os pés.

15 abril, 2007

Verdades Convenientes

Para lê-las, clique aqui a partir de hoje.

14 abril, 2007

Olha a cabeleira do Voltaire

Há textos que nos valem mais que biografias, pelos quais descobrimos cada pedaço da vida do autor, cada detalhe de seu rosto, cada cicatriz e casca de ferida. Textos que mostram o suor escorrendo no rosto do escritor, suas banhas, todos os seus excessos, quando ele os tem, mas também revela beleza, nobreza, quando são essas as principais características do escritor.

Eu, por exemplo, nunca li De Profundis, mas imaginava o rosto de Oscar Wilde muito antes de ver fotos suas – aquele cabelinho comprido e a arrogância controlada do nariz de Wilde ficaram bem evidentes quando li “O retrato de Dorian Gray”, primeiro livro que li dele. O rosto todo meio arrogante, na verdade, e ar, hum, (eu ia dizer blasé, mas não, não) entediado. Ensoberbado, mas com motivos para isso. Wilde era bom, sabia que era bom, o melhor.

Assim como descobrimos coisas boas, no caso de Wilde, é possível descobrir coisas que o escritor tenta esconder de toda forma, como a verruga e as espinhas na bunda de Jorge Amado.

Notar isso, para mim, gerou uma curiosidade sem tamanho: como meus leitores que não me conhecem pessoalmente me enxergam? Teria eu um furúnculo no rosto ou feridas nos joelhos que não conheço?

12 abril, 2007

Pippo non lo sa



Che quando passa ride tutta la città
e le sartine dalle vetrine
gli fan mille mossettine

(Obrigado, Cammy, pela inspiração)

08 abril, 2007

Trezentos

Está passando Tróia no SBT e eu me lembrei de 300. Depois percebi que, se Clint Eastwood tivesse filmado 300, provavelmente filmaria ao mesmo tempo um outro filme, chamado "Os Imortais", que contaria a história pelo ponto de vista dos Persas.

Leônidas seria considerado um herege e um covarde, que precisou encurralar o nobre exército de Xerxes para tentar - em vão - vencê-lo. A Oráculo não seria subornada: ela estaria certa, teria realmente o apoio dos deuses ao tentar impedir a guerra. Os espartanos seriam presunçosos, malignos e egoístas, incapazes de emprestar um pouco de terra e água. A invasão persa seria considerada uma guerra justa, liderada por homens de honra contra os trezentos malvados guerreiros demoníacos de Leônidas - e talvez Dílios fosse um monstro com lâminas no lugar dos antebraços.

Acho que só notei isso porque não consigo, enquanto vejo Tróia, deixar de torcer pelos troianos, que sempre me parecem ter mais razão que os gregos - e Homero não queria que pensássemos isso quando escreveu a Ilíada. E Tróia não deixa de ser um bom filme porque "explora o outro lado". Talvez fosse bom se lançassem uma versão de 300 liberada pelo governo iraniano. Mas não tão bom quanto a versão original.

07 abril, 2007

Adoro o bem geral:

Sempre faz mal pra mim.

04 abril, 2007

Não confie em escritores deselegantes

Quando vejo um maltrapilho enquanto caminho pelas ruas, tão logo vou para a calçada oposta e caminho em velocidade superior, como antílope ao ver que não muito longe há um tigre. Todos fazem isso. O mesmo vale para os escritores ruins, mas poucas pessoas notam a semelhança.

Entrando em uma livraria, tento ao máximo manter distância dos escritores muito ruins, mesmo que estejam ao lado de P.G. Wodehouse. Tento curvar um pouco o braço e dar a volta aos livros do mau escritor, tocando apenas no bom livro do escritor de qualidade. Caso seja impossível, chamo um daqueles funcionários da livraria para que busque o livro bom pra mim, e rezo que não haja nenhuma cicatriz quando ele voltar. Geralmente não há, mas é porque são profissionais e devem ir armados ao encontro do livro. Os maus livros de maus escritores usam de técnicas baixas de conquista, a que alguns nomeariam catárticas, mas eu nomeio apelativas, como furar a barriga de todos os que passam com canivetes e tesouras, como os canivetes e as tesouras de seus conteúdos. Ou a promessa de sexo fácil com todas as prostitutas do puteiro - e aqui nunca empregam cabaré ou prostíbulo, mas puteiro, sempre puteiro, e também para as protitutas usam putas, putas, sempre putas - onde se passa parte da história.

O resto da história se divide entre a casa bagunçada do mocinho, que geralmente é um malvado em todos os sentidos, mas é retratado como herói porque mata simplesmente pra defender sua causa - o que ainda soa muito glorioso para a história do mocinho, pois defender a causa é o que fazem os super-heróis, mas esses mocinhos defendem a causa errada e de forma grosseira. Se seus pais morreram, não foi em um assalto, foi culpa de uma orgia em que contraíram AIDS, que passaram para o filho mocinho. O mocinho mata porque tem AIDS -, e a floresta Amazônica, em que serão relatados problemas ambientais e onde, de alguma forma mal explicada, o mocinho vai parar para se aliar a uma ONG terrorista sem glamour.

A contracapa trará menções aos prêmios recebidos da UNESCO pelo autor, como "defensor das causas ambientais urgentes", "inimigo declarado do aquecimento global" e críticas positivas de todos os jornais: "um soco no estômago", se é que isso é positivo. Mas o autor se orgulha de socar estômagos, o que é extremamente deselegante e cruel. O "humor sarcástico" do autor é cortante. Depois da leitura, suponho, ou antes de terminá-la, morre-se de infecção pelo corte do humor sarcástico - e geralmente sutil ao mesmo tempo. Sarcástico, cortante e sutil.

Os mendigos maltrapilhos da rua são, se fato, perigosos. Mas seu perigo é evidente, não é sutil. Eles nos ameaçam antes de nos cortar, não o fazem sem aviso. "Passa a grana ou eu te furo". Se escrita por um mau escritor, até a realidade fica pior: "Eu te furo", diria o mendigo-ladrão, e furaria. Ou nem diria que fura, nem pediria o dinheiro - furaria e pegaria o dinheiro. E, se você desse o dinheiro, ele não te abençoaria, mas te odiaria porque você não deu mais. Os maus escritores pioram tudo o que tocam, tudo o que pensam, transformam em lixo cada palavra.

Sempre que estou pelas ruas e vejo de um lado um mendigo e, do outro, "as veias abertas da América Latina", vou pro lado do mendigo. E correndo.

02 abril, 2007

Scorcese não piorou

Não, não piorou. Nem Woody Allen. Nem Spielberg, nem Clint Eastwood. Sofia Coppola mal começou, não está decaindo. Parem de falar besteiras.

Há um tempo, já, que noto essa iconoclastia do povo: "Olha, desde Goodfellas Scorcese nunca mais foi o mesmo", ou "os últimos filmes do Woody Allen foram tão piores que os do início da carreira", ou ainda "Spielberg? O que ele fez depois de Tubarão é lixo". O que importa é destruir os ídolos - algo tão antigo que nem os Cristãos Ortodoxos praticam mais com tanto afinco, mas que esse tipo de gente acha que é super-pós-moderno.

É verdade que o melhor filme do Scorcese é Goodfellas (ainda não vi Touro Indomável, que pode superar), mas isso não faz que seus últimos filmes sejam ruins. O Aviador é excelente e eu realmente gostei de Os Infiltrados. Scoop é melhor que Match Point, que é melhor que Melinda e Melinda..., que, sim, são bons filmes, e falo sério. Eu nunca vi algo do Spielberg mal feito - nunca. Menina de Ouro é, sim, um bom filme. Da Sofia Coppola eu vi Lost in Translation e a Maria Antonieta, e gostei, sim, de ambos.

Mas as pessoas advogam que os melhores diretores façam cada filme melhor e mais inovador que o anterior, o que significa querer que Da Vinci não tivesse feito nada depois de pintar a Monalisa. Os diretores, como qualquer pessoa, tentam fazer uma coisa melhor que a outra, mas nem sempre dá certo. Não significa que ele esteja pior, mas que o mármore para a escultura está acabando. Não é possível fazer milhões de filmes de gangues e ter bons resultados com todos, mas um bom artista transforma uma pedra de mármore ruim na melhor escultura possível. É isso que Scorcese, Woody Allen, Spielberg, Eastwood e, agora, Sofia Coppola (que não, não considero tão boa quanto os outros de que falei, mas digna de nota por causa do preconceito que sofre) tentam fazer com cada história que têm. Ou alguém consegue imaginar uma forma melhor de filmar Men in Black?
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Devo postar com menos freqüência este mês porque estou na casa dos meus pais, em Petrolina.