26 abril, 2007

Vai pela sombra

Enquanto andava reparou que as luzes dos postes criavam para ele quatro sombras à frente, e que os ângulos entre essas sombras somavam noventa graus, e olhando para frente, em linha reta, via a linha que dividia esse ângulo em dois iguais. Resolveu, por isso, andar em linha reta, para não perder o centro das sombras e do ângulo entre elas.

E assim andou por quilômetros, pois as nuvens e a chuva fina não permitiam que nenhuma luz viesse do céu, e porque aqueles quatro eram os únicos postes naquela rua. Quanto mais ele andava, mais as cabeças de suas sombras se distanciavam e mais ele queria conhecer os lugares por onde elas passavam antes dele. Lugares que sabia seguros porque suas sombras nada sofriam ao vasculhá-los.

Andou por dias, semanas. Andou sem perceber que pisava sobre a água, sem notar que escalava montanhas e que passava por precipícios caminhando sobre o ar. Até que perfez metade da circunferência terrestre e as suas sombras começaram a andar para o lado errado, ficando, antes disso, claras e menores, até apagarem-se e surgirem às suas costas. Foi só então que percebeu que estava na Índia. Aproveitou pra comprar Curry e andou tudo de volta, pelo caminho que já percorrera, pois, qualquer que fosse o caminho tomado, sua sombra não poderia mais acompanhá-lo pela frente e era mais seguro ir por caminhos já conhecidos, tenda a sombra à retaguarda.

Ao chegar, cozinhou um frango com o tempero que comprou no outro lado do mundo. E isso, mais do que qualquer coisa, fez dele uma pessoa feliz.

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