24 abril, 2007

O porquê de, ao descobrir que um escritor é comunista (e comunismo e socialismo são a mesma coisa aqui), deve-se ficar tentado a lê-lo

Imaginação. O que se busca em um romance é, além de um estilo bom (e disso os comunistas são tão capazes quanto os conservadores e os liberais e libertários), uma história pelo menos um pouco nova, fruto de uma imaginação capaz de grandes voltas para explicar como um personagem saiu de casa e foi à escola de forma superinstigante, ou como a Península Ibérica simplesmente decidiu sair navegando por aí. Ser comunista ajuda a ter imaginação. Todo comunista depara diariamente com as milhares de contradições do seu sistema, mas eles dão voltas, verdadeiros romances, e acabam culpando o grande capital estrangeiro.

É verdade, e não consigo deixar notar, sob pena de ser injusto ou excessivamente bondoso, que nenhum comunista que eu tenha lido mantém o estilo quando escreve suas teorias. Isso é, parece-me, exclusivo de gente com idéias certas, como Bastiat e Hans-Hermann Hoppe (e não, Bastiat não está na música do Zeca Baleiro, lá está Basquiat, escrito da errada forma Basquiá). Mas não importa o estilo, ninguém se interessa pelo que Wilde escreveu sobre socialismo (e nem deve se interessar, mesmo. O livro, li até a segunda página, é ruim).

Mas vejam bem: se quando se lê uma teoria ou um tratado espera-se a verdade, direta, ainda que de forma divertida, quando se lê um romance busca-se a mentira. E ninguém mente mais (e melhor) que os comunistas. Eles defendem Stalin, Mao e Pol Pot com o que chamam de argumentos (como, por exemplo, "Stalin matou milhões, mas o capitalismo mata dezenas de vezes mais, de fome); é fácil, para eles, acreditar no que escrevem, por mais que pareça mentira, e essa é uma lição que devemos aprender com eles. Aí reside o charme, a graça dos romances dos comunistas (jamais dos romances comunistas, assim, sem a preposição).

Alguns dos meus escritores preferidos são/eram comunistas. Wilde, Shaw, Saramago. E outros, sobre os quais eu não sei nada, pareceram-me comunistas nos romances. Se eu ligo? Eu adoro. A primeira sensação que fica ao descobrir que aquele escritor genial é comunista é um alívio imensurável. Se ele estivesse certo, se ele defendesse o mesmo que você, provavelmente você se sentiria menor, vazio, incapaz, algo parecido conosco quando lemos Mencken. É impossível discordar de qualquer coisa que ele diga e, ainda assim (e por isso), nós nos sentimos menores. Pelo menos eu me sinto. Acho que é culpa da pretensão, da vontade de falar e, quando finalmente falo, já vendo o resultado do que disse, penso "Mencken teria feito melhor" ou "Mencken já disse isso". Quando tentamos falar sobre nossas idéias, Mencken aparece e nos bloqueia. Ademais, para cada Mencken deve haver uns três ou quatro Wildes (guardadas as proporções, naturalmente).

Mas o Alexandre disse que o bom mesmo é amar alguns escritores. Ir à guerra com eles por amor (ou pelos interesses comuns necessários para que se ame alguém). Acabo de descobrir que Lima Barreto era anarco-sindicalista, de que discordo, mas que era, por isso, contra o serviço militar obrigatório, o patriotismo e contra o falso movimento feminista. Eu iria à guerra por isso. Eu iria à guerra com Lima Barreto. Mas eu não o amo. Depois eu travaria outra guerra contra o anarco-sindicalismo e talvez assinasse o alvará permitindo que matassem Lima Barreto (porque a minha guerra é burocrática, nela só morrem aqueles que eu permitir, porque, repare, essa guerra está só na minha imaginação e não quero sujar minha imaginação com sangue demais. Além disso, acho justo matar Lima Barreto hoje, porque ele está morto já há algum tempo e não ia sentir falta de sua vida). Também iria à guerra com Mencken, dessa vez até o fim (triunfante).

Mas, veja bem, ir à guerra é arriscado, e o fato de eu ir à guerra ao lado de alguém não significa que eu esteja disposto a morrer por ideais. Eu iria, sim, à guerra, mas seria encarregado de coisas menores. Assinaria os papéis que me pedissem, mas não empunharia uma arma, mesmo sabendo que eu não morreria se não assinasse papéis pedindo isso, porque as armas são pesadas e deve cansar andar pelo front procurando e mirando nos inimigos. Eu não seria um herói? A guerra é minha, a imaginação é minha e nela um herói é qualquer um que assine papéis permitindo que matem pessoas. E só quem tem esse poder sou eu.

P.s.: Tem um escritor anarco-individualista que quero ler, Campos de Carvalho, por causa desta resenha do Púcaro Búlgaro. Provavelmente eu o levaria para a guerra comigo.

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