30 maio, 2007

Eu sempre senti falta de algumas coisas que provavelmente nunca existiram. Provas de amor, por exemplo, seriam muito bem-vindas à realidade. Imaginem a situação de um rei que se apaixona por uma camponesa:

- Meu bem, eu te amo sobre todas as coisas! Te cobrirei de ouro e pérolas, tuas mãos serão as mais adornadas de todo o reino! Em nossa cama haverá os lençóis da seda mais suave e leve que o homem pode fazer e as bençãos divinas cairão sobre nós até o último dos dias! Vem morar comigo no castelo, sejamos rodeados de felicidade infinita!

- Sou pobre e camponesa, mas só assim posso ser feliz. Não sei viver num mundo cheio de regras como a corte. A teu ouro, tuas pérolas e teus adornos de mão prefiro o balde d'água, a lenha e o machado. À seda que me ofereces prefiro as estrelas que me cobrem à noite com seu manto luminoso. E as bençãos, que não dispenso, pois são sagradas, podem igualmente nos ser concedidas aqui, pois Deus não difere palácio de choupana. Vem tu morar comigo. Amar-me na corte, com lençóis e jóias, adornada como uma sala! Qual, então há mérito nisso? Não seria eu a mais vulgar das mulheres se te aceitasse a proposta? Vem tu e me ama em minha choupana!


Então o rei abdicaria do trono em nome de seu irmão mais moço e iria morar com a camponesa na choupana à beira do rio, onde viveriam de pesca, caça e verduras, e o rei aprenderia a viver como camponês, recolhendo desastradamente a lenha no começo, causando risos em sua amada, que o ensinaria delicadamente e pediria desculpas por se rir dele.

Infelizmente, isso só existe em livros e filmes (e por algum motivo me parece que, apesar de ser completamente lindo neles, no "mundo real" quem fizesse isso ia ser chamado de louco, e talvez internado num sanatório sem janelas. Amar não é mais importante que pérolas nos dias de hoje; nunca foram, na verdade, mas eu gosto de acreditar que antigamente as pessoas faziam sacrifícios por amor).

É disso que eu sinto falta: da possibilidade de sentir de verdade, de amar como é certo, como todos assumem ser certo, mas como ninguém ousa amar. Ah, Ibsen, como falta ousadia no mundo!

29 maio, 2007

Observação sobre moda

O problema em se vestir bem demais é que todos vão te encarar na rua exatamente como se você estivesse usando um gorro de lã preta com o escudo do corínthians bordado. Vestir-se bem demais só é permitido àqueles que realmente entendem de moda, porque só essas pessoas teriam certeza de que os olhares fixos não são dedicados a uma risada contida ou de que essas risadas não vêm de quem entende de moda. Quando saio de casa tento me vestir sempre de modo que as pessoas não olhem para mim duas vezes; tento me vestir comedidamente.

28 maio, 2007

Crime, castigo e redução da pena

Terminei de ler Crime e Castigo há uns dias. O castigo me pareceu - ó, Céus, como dizer sem parecer imbecil demais? -, me pareceu... bom, vou ser um pouquinho imbecil, é o jeito: o castigo me pareceu mais o sofrimento todo do Ródion que a prisão dele. A prisão foi, antes, o alívio da pena. Ele estava sofrendo demais até ir pra prisão, coitado. Era grosso com a Sônia e com a Dúnia, era mau. Na prisão ele se sentiu melhor, melhorou o humor, sempre triste. Se apaixonou e tudo. Mas eu não consegui dizer isso sem pensar que já foi dito milhares de vezes por pessoas chatas (não que eu tenha lido isso milhares de vezes, nunca li; se tivesse, dava o link pra vocês e pronto, me poupava de falar. Talvez até comentasse "olha que imbecil, vê o que ele achou que era o castigo", pois me parece que essa é exatamente a interpretação dos piores críticos literários e eu quase fico triste por concordar com eles, como aquela coisa de dizer que o personagem principal de um romance é a seca, vocês sabem [com isso não concordo, não]).

27 maio, 2007

Música ideal pra propaganda de Shampoo

Bye bye, life
Bye bye, happiness
Hello, loneliness
I think I'm gonna die
I think I'm gonna die
Bye bye, love
bye bye, sweet caress
Hello, emptiness
I feel like I could die

Bom, parece que a Seda pensou assim. Alguém põe a propaganda no youtube pra eu lincar aqui?

Enquanto isso, uma situação em que a música da propaganda foi um pouco melhor utilizada:

25 maio, 2007

Pobres crianças

Tudo o que fazem pra elas, por melhor que seja, sofre preconceito. "É infantil", diz a alma gorda e soberba de um senhor de colete muito apertado sobre a barriga proeminente que gasta seus dias lendo coisas sérias. A literatura infantil é vista como o menor dos gêneros literários. Tom Sawyer, Alice, algumas fábulas e muitos dos outros livros infantis reconhecidos como "bons" ou "geniais" são logo tirados da classificação infantil (talvez não o Pequeno Príncipe, mas basta olhar para os leitores de Alice dizendo que "Alice é, na verdade, o relato de um tema sério, uma viagem de LSD, o efeito do lisérgico puro e indomado" e notar que não há mentira no que digo. Existe, é certo, uma tentativa dessas almas gordas e soberbas de dizer que tudo o que é bom é material adulto).

Isso deve acontecer por causa da burrice pressuposta das crianças. Ninguém acha que as crianças são capazes de ir além de "era uma vez" e "foram felizes para sempre". Mas, surpreenda-se, alma gorda e soberba, elas são. Crianças entendem uma história bem-feita tão bem quanto qualquer outra pessoa. Crianças têm, inclusive, senso crítico, julgam as aventuras que lêem, julgam as histórias que lhes contam, geralmente, com mais precisão que os senhores de colete apertado sobre a enorme barriga flácida que só lêem literatura séria e preferem dizer que "a estética adotada pelo narrador é 'anacrônica'" ou algo assim a dizer que "tal personagem é chato", como faria corretamente uma criança.

Ninguém, repito, ninguém, repito de novo, ningúem (é divertido repetir, repetir, repetir) pode transformar Tom Sawyer em livro adulto. Tom Sawyer é um livro infantil por excelência: crianças brincando, aventuras e final feliz. Alice é um elogio da imaginação, e uma criança entende muito melhor que um senhor gordo a intenção da história de Alice, que não é mais que divertir.

O mesmo vale para o cinema, mas aqui não se disputa se algo é ou não infantil, tudo o que se faz é dizer que "é um filme bobo, infantil" para todos os desenhos animados e filmes cujo personagem principal é uma criança. O Rei Leão tem uma história muito melhor que a maioria dos filmes "para adultos" - alguém pode dizer que discorda? Bem, pode, e eu não impedirei, mas quem disser estará errado. Alguns filmes infantis conseguem agradar tanto a adultos quanto a crianças, o que não equivale a dizer que, por isso, o filme deixa de ser infantil. Alguns filmes tem "significados ocultos" que apenas os adultos entendem, mas a trama superficial é infantil. E o que importa é a trama superficial, não os sentidos enterrados no filme (até porque, geralmente, muitos deles são escavados quando sequer existem).

O que eu quero com este post, você me pergunta. Respondo: quero que deixem as crianças terem coisas de qualidade pra si, que elas não tenham que "invadir o mundo adulto" pra buscar Alice no País das Maravilhas na última prateleira da estante, ao lado de Decamerão, tendo que pedir pezinho pro irmão um ano mais velho (e por isso mais forte) e correndo o risco de cair e ralar o joelho - já cicatrizada a ferida feita na aula de educação física. Ou ter que arrastar uma pesada escadinha de cinco degraus da despensa até a biblioteca, andar acima, só pra pegar alguns contos dos Irmãos Grimm. Sim, criança sabe o que é morte, criança sabe o que é vingança, entende a maldade, se diverte com a loucura, gosta desses temas e é sádico impedi-las de ler algo porque eles estão lá.

Isso tudo porque outro dia vi um dos livros de que me lembro ter gostado mais na minha infância, "O Caso da Estranha Fotografia", de Stella Carr, e, como queria dizer aqui pra que todos leiam, precisei antes defender a literatura infantil. É um livro infantil, bastante infantil, com uma quadrilha internacional, aventuras no mar e investigações feitas por crianças. Duvido que se eu o relesse hoje não gostaria. Duvido que achasse "infantil demais", porque acredito que quanto mais infantil, se conseguir não ser retardado, melhor o livro - tem mais imaginação, mais aventura, mais leveza, linguagem mais rápida. E, entretanto, parece que as pessoas buscam sempre por coisas mais profundas, mais difíceis, mais "meu Deus do céu, este livro mudou minha forma de encarar a minha vida gorda e flácida e acabou me deprimindo".

(Há, inclusive, livros infantis bastante tristes, como "Papai não é perfeito", a história de um menino cujo pai, canhoto, perdeu os movimentos de todo o lado esquerdo do corpo. Li esse livro logo depois de ler "O Caso da Estranha Fotografia" e lembro que não gostei muito. Agora, lendo uma sinopse da FTD, vi que eles disseram que o pai de Lucas "é portador de deficiência física". Absurdo terem feito isso quando o título é tão claro: o pai de Lucas tem um defeito, uma imperfeição. Nenhuma criança leria algo sobre "portadores de deficiência física", porque crianças têm outra vantagem sobre os adultos: são diretas, não gostam de firulas ou de suavizações imbecis da realidade).

23 maio, 2007

Todos os backstreet boys são gays

Me incomoda muito a mania de ver sexo/sexualidade em todos os cantos - tanto quanto deve incomodar a vocês essa minha recente mania de relatar meus incômodos (se não incomodar é porque vocês não têm senso crítico na leitura, e eu os agradeço imensamente por isso). Outro dia alguém sugeriu que Henry Higgins era gay e que, por isso, não se casou com a Eliza. Ora, por que ele seria gay? Eu não me casei com a Audrey Hepburn e nem por isso sou gay. Eu nunca comi a Monica Belucci, a Scarlett, a Charlize, a Milla Jovovich, como, acredito, o leitor também não comeu, mas isso não quer dizer que eu queira dar pro Brad Pitt, pro Tom Cruise, pro Jude Law. Mas parece que as pessoas só não desconfiariam da masculinidade do professor Higgins se, no meio do livro, ele falasse "Eliza, gostosa, deixa o papai aqui comer sua bundinha tesuda, neném".

Bem, eu consigo passar um dia inteiro sem pensar em sexo e admito que haja pessoas que consigam passar a vida toda assim - uma vida triste, talvez, setenta anos jogando damas, mas ainda assim uma vida, ainda assim setenta anos. Bernard Shaw inclusive fala no livro que Higgins é um solteirão convicto e isso é tudo. Não tentem psicanalisar o pobre personagem.

Imaginem vocês se todos os personagens começassem a correr atrás de mulheres só pra provar que são machos e, assim, não causar dúvidas nos leitores mais pervertidos: José Servo jamais se tornaria o Decano do Jogo, porque ia se engraçar com alguma Thelma de peitos muito grandes e se enfiar com ela para um motel pra fazer literatura moderna e Robinson Crusoé nem chegaria a embarcar, porque estaria em algum estábulo com uma Judith fazendo arte concreta na hora de zarpar.

De vez em quando, claro, é divertido ler uma cena de sexo, e não condeno quem as escreve. De vez em quando é divertido pensar em sexo, e até prazeroso, mas a literatura não deve ser um grande livro pornõ cheio de grutas úmidas e membros intumescidos.

22 maio, 2007

William Tell Contado Novamente, de novo

A primeira parte você encontra aqui.
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Capítulo II

Eles foram encontrados do lado de fora por um grande grupo de seus concidadãos, que os tinham acompanhado até o Palácio, e que tinham gastado seu tempo desde a partida deles ouvindo alternadamente pelo buraco da fechadura da porta da frente. Mas como a Sala de Audiência ficava do outro lado do Palácio, e se separava da porta da frente por duas outras portas, um lance de escada, e um longo corredor, eles não tinham ouvido muito do que acontecera lá dentro, e cercaram os três porta-vozes quando eles saíram, e os questionaram interessadamente.

“Ele cortou o imposto sobre geléia?” perguntou Ulric, o ferreiro.

“O que ele vai fazer quanto à taxa de biscoitos sortidos?” gritou Klaus Von der Flue, que era um limpador de chaminé da cidade e amava biscoitos sortidos.

“Esqueça o chá e os biscoitos sortidos!” exclamou seu vizinho, Meier de Sarnen. “O que eu quero saber é se ainda teremos que pagar pra cuidar de ovelhas.”

“O que o Governante disse?” perguntou Jost Weiler, um homem prático, que gostava de ir direto ao ponto.

Os três porta-vozes olharam um para o outro um pouco duvidosos.

“Be-e-em,” disse Werner Stauffacher afinal, “na verdade, ele realmente não falou muito. Foi mais o que ele fez, se vocês me entendem, do que o que ele disse.”

“Eu deveria descrever Sua Excelência o Governador,” disse Walter Fürst, “como um homem que tem um jeito próprio – um homem que tem todos os argumentos nas pontas dos dedos.”

À menção de pontas dos dedos, Arnold de Melchthal soltou um uivo agudo.

“Em resumo,” continuou Walter, “depois de uma conversa muito interessante de poucos minutos ele nos fez ver que isso realmente não daria certo, e que nós devemos continuar pagando os impostos como antes.”

Houve um silêncio mortal por alguns minutos, enquanto todos se entreolhavam desanimados.

O silêncio foi quebrado por Arnold de Sewa. Arnold de Sewa tinha sido desapontado por não ter sido escolhido como um dos três porta-vozes, e pensou que se ele tivesse sido escolhido esse problema todo não teria ocorrido.

“O fato é,” disse ele amargamente, “que vocês falharam em fazer o que foram mandados fazer. Eu não menciono nomes – longe disso – mas eu não ligo de dizer que há algumas pessoas nesta cidade que poderiam ter dado melhor conta de si mesmas. O que você precisa em pequenos problemas desse tipo é, se eu posso dizer, tato. Tato; eis do que precisa. É claro, se você for apressadamente à presença do governador...”

“Mas nós não nos apressamos,” disse Walter Fürst.

“...Gritando que você quer que as taxas sejam abolidas...”

“Mas nós não gritamos,” disse Walter Fürst.

“Eu realmente não posso falar se sou constantemente interrompido,” disse Arnold de Sewa severamente. “O que eu digo é, vocês têm que empregar tato. Tato; eis do que vocês precisam. Se eu tivesse sido escolhido para representar o povo da Suíça nesse assunto – eu não estou dizendo que deveria ter sido, lembrem-se; eu somente digo que se eu tivesse sido – eu deveria ter agido da seguinte forma: Caminhando firme, mas não desafiador, à presença do tirano, eu quebraria o gelo com alguma observação simpática sobre o tempo. Uma vez que a conversa começasse, o resto teria sido fácil. Eu diria esperar que Sua Excelência tivesse jantado bem. Uma vez que o assunto fosse comida, seria a mais simples das tarefas mostrá-lo como as taxas sobre comida são desnecessárias, e todo o negócio teria sido agradavelmente decidido enquanto vocês esperassem. Eu não quero sugerir que o povo suíço teria feito melhor se tivesse me escolhido como representante. Eu apenas digo que é como eu teria agido que eles deveria ter feito.”

E Arnold de Sewa enrolou seu bigode e pareceu ofendido. Seus amigos instantaneamente sugeriram que deveria ser dado a ele tentar onde os outros três tinham falhado, e o resto do grupo, começando a acreditar uma vez mais, se juntou ao clamor. O resultado foi a campainha dos visitantes do Palácio tocar uma segunda vez. Arnold de Sewa entrou, e a porta foi fechada atrás dele.

Cinco minutos depois ele saiu, chupando o indicador da mão esquerda.

“Não,” ele disse; “não dá pra baixar os impostos. O Tirano me convenceu.”

“Eu sabia que ele iria,” disse Arnold de Melchthal.

“Então eu acho que você devia ter me avisado,” vociferou Arnold de Sewa, dançando de dor no seu dedo queimado.

“Estava quente?”

“Fervendo.”

“Ah!”

“Então ele realmente não vai nos livrar dos impostos?” perguntou o grupo com vozes desapontadas.

“Não.”

“Então só resta uma coisa,” disse Walter Fürst, respirando fundo, “nós devemos nos rebelar!”

“Rebelar?” exclamaram todos.

“Rebelar!” repetiu Walter firmemente.

“Nós vamos!” exclamaram todos.

“Abaixo o tirano!” gritou Walter Fürst.

“Abaixo os impostos!” gritou o grupo.

Uma cena de grande entusiasmo se seguiu. As últimas palavras foram faladas por Werner Stauffacher.

“Queremos um líder,” ele disse.

“Eu não quero me confiar a esse cargo,” começou Arnold de Sewa, “mas devo dizer, se eu for liderar...”

“E eu sei o homem certo pro trabalho,” disse Werner Stauffacher. “William Tell!”

“Um urra pra William Tell!” rugiu o grupo, e, aproveitando a deixa de Werner Stauffacher, eles irromperam na antiga e grande canção suíça que diz assim:

“Porque ele é um bom companheiro!
Porque ele é um bom companheiro!!
Porque ele é um bom companhe-ee-i-ro!!!!
Ninguém pode negar!”

E cantando essa canção até que todos estivessem bastante roucos, eles foram para suas camas para ter algumas horas de sono antes de começarem os trabalhos do dia.

21 maio, 2007

Máxima

O que me incomoda nos ateus é sua recusa em escrever Deus com maiúscula mesmo no início de frases.
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Algumas coisas me envergonham bastante de mim mesmo. Uma dessas coisas é que eu nunca tenha lido autores que todos deveriam ter: Henry James, James Joyce, Jane Austen, Flaubert, Tolstói, Proust, Eliot, Waugh, Lewis, Wells e alguns outros. Comecei uma jornada para ler um livro de cada um deles e me livrar da vergonha que sinto. Mesmo que seja um livro pequeno - desde que cada livro seja pequeno, na verdade.

O livro que me fez iniciar a jornada foi de Balzac, "A menina dos olhos de ouro". Vou falar um pouco do que eu achei do livro.

As primeiras trinta páginas me fizeram dormir. Literalmente. O livro aberto sobre o peito, olhos fechados e baba; remela quando acordei. Possivelmente ronco. Paris parecia uniformemente bege-suja e entediante e eu quase achei bom que nunca tivesse lido Balzac antes. As pessoas parecem quase não ter qualidades. Depois o livro fica bom e a gente até se diverte com ele - e até simpatiza com o personagem principal - nem me lembro mais do nome dele, mas ele é legal. E o final é bom, também. Eu queria falar algo mais sobre o final, mas, pra ser sincero, só me lembro bem de coisas que o estragariam se eu contasse - vocês querem que eu diga se alguém morre de enfarto numa manhã ensolarada de domingo? E quem? Então, não vou dizer. E eu lembro que gostei. Depois de ler Balzac eu finalmente pensei que deveria começar a ler mais autores que nunca li por preguiça ou por achar que não valiam tanto.

Assim, terminado meu "Lord Emsworth acts for the best", li Ibsen. Ibsen, ao contrário de Balzac, não me fez dormir. "An enemy of the People" é ótimo e certamente vou ler alguma outra coisa dele, ainda. Tudo parece tão real, mas ao mesmo tempo os personagens são tão bem feitos (eu ia falar construídos, mas a minha consciência me disse que é errado usar esse tipo de palavra. Cito-a: "é errado usar esse tipo de palavra") que a realidade não incomoda. Inclusive agrada: consigo ver aquilo sendo encenado. E a briga entre irmãos é sempre um tema tão bom que talvez um dia eu escreva algo sobre isso.

E mais: o Brasil precisa de "Um inimigo do povo". Precisa de alguém como o Dr. Stockmann para equilibrar a quantidade de Peters que temos (não tá entendendo? Compre o livro e leia. Cinco reais a menos não matam ninguém. Ou leia na internet, mesmo.)

E agora lerei Henry James. Comprei "The Aspern Papers". Torçam pra que eu goste e não abandone minha leitura de novos bons autores. Alguma sugestão?
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VÃO COM dEUS.

20 maio, 2007

Cabelo louro, lábios entreabertos

Um pequeno incômodo: todas as capas de Dorian Gray estão erradas.

1, 2, 3, 4. 5, 6, 7 ,8.

E, quando decidem utilizar uma boa imagem, põem na tradução (e adaptação!) da Clarice Lispector.

18 maio, 2007

Inveja e presunção

Eu acho que ainda não comentei que o Tiago A. foi pro Apostos. Isso só prova uma coisa: quem escolhe os novos Apostos ainda não conhece o meu blog.
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Os portugueses estão fazendo um même sobre "blogs que dão o que pensar", "thinking blogs". Foi a primeira vez que eu parei e atinei para um fato: não leio blogs pra pensar.

16 maio, 2007

William Tell Told Again - tradução ilustrada

Depois de um conto meu, que os interessados podem ler logo abaixo deste post, desejo dizer a todos vocês que traduzi o primeiro capítulo de "William Tell Told Again", do P.G. Wodehouse, com ilustrações de Philip Dadd e poesias de John W. Houghton. Se vocês gostarem, pretendo continuar traduzindo e publicando; se não gostarem, vou só traduzir. É minha primeira tradução, então tentem não reparar se eu reduzi o estilo de Wodehouse a pó. Peço desculpas por ser incapaz de traduzir devidamente o título com o trocadilho "Tell" e "Told" e a interjeição "Why", por que sempre me parecia idiota utilizar "cacilda" ou "caramba", e por não ter traduzido (não sem alguma tentação) "William" para "Guilherme" (Por algum motivo "Guilherme Conta Contado Novamente" não me pareceu uma boa alternativa de título). E me desculpo também pela má tradução do poema inicial e por qualquer outro defeito que vocês encontrem. Mas não quero aparecer mais que Wodehouse; agora eu me retiro e deixo que apenas o texto apareça. Até mais.
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William Tell Contado Novamente

Os suíços, contra seus inimigos austríacos,
Nunca tiveram uma alma para liderá-los,
Até Tell, como você ouviu falar, surgir
E guiá-los para a liberdade.
O conto de Tell contamos de novo – um ato
Por que, rogo, não nos censurem –
Este conto de Tell nós contamos, de fato,
Como este conto de Tell nos foi contado.


Capítulo I

Há mais anos que qualquer um possa se lembrar, antes que o primeiro hotel fosse construído ou o primeiro inglês tirasse uma fotografia do Mont Blanc e a trouxesse para casa para ser colada em um álbum e mostrada depois do chá pros seus amigos invejosos, a Suíça pertencia ao imperador da Áustria, para fazer o que quisesse com ela.

Uma das primeiras coisas que o imperador fez foi mandar seu amigo Hermann Gessler para governar o país. Gessler não era um homem legal, e logo ficou claro que ele jamais se tornaria realmente popular com os suíços. O ponto em que eles discordavam em particular era a questão dos impostos. Os suíços, que eram um povo simples e parcimonioso, recusavam-se a pagar taxas de qualquer tipo. Eles diziam que queriam gastar seu dinheiro em todos os outros tipos de coisas. Gessler, por outro lado, queria taxar tudo, e, sendo governante, ele o fez. Ele fez todo mundo que possuía um rebanho de ovelhas pagar uma certa soma em dinheiro para ele; e se o fazendeiro vendesse suas ovelhas e comprasse vacas, ele teria que pagar ainda mais dinheiro a Gessler pelas vacas do que tinha pagado pelas ovelhas. Gessler também taxou pão, e biscoitos, e geléia, e roscas, e limonada, e, na verdade, tudo em que ele podia pensar, até que as pessoas da Suíça decidiram reclamar. Eles escolheram Walter Fürst, que tinha cabelo vermelho e parecia feroz; Werner Stauffacher, que tinha cabelo grisalho e estava sempre imaginando como deveria pronunciar o próprio nome; e Arnold de Melchthal, que tinha cabelo amarelo claro e deveria saber bastante sobre lei, para fazer a reclamação. Eles chamaram o governante numa adorável manhã de abril, e foram levados à Sala de Audiência.

“Bem,” disse Gessler, “e qual é o problema agora?”

Os outros dois empurraram Walter Fürst para frente, porque ele parecia feroz, e eles pensaram que ele poderia assustar o governante.

Walter Fürst tossiu.

“Bem?” perguntou Gessler.

“Er - ahem!” disse Walter Fürst.

“É por aí,” murmurou Werner; “dá-lhe!”

“Er - ahem!” disse Walter Fürst novamente; “o fato é, sua governança...”

“É um detalhe,” interrompeu Gessler, “mas eu geralmente sou chamado de ‘sua Excelência.’ Sim?”

“O fato é, sua Excelência, que parece para o povo da Suíça...”

“A quem represento,” murmurou Arnold de Melchthal.

“...a quem represento, que as coisas precisam mudar.”

“Que coisas?” inquiriu Gessler.

“Os impostos, sua excelente Governança.”

“Mudar os impostos? Como, o povo suíço não acha que já existem impostos o bastante?”

Arnold de Melchthal cortou rapidamente.

“Eles pensam que há demais,” ele disse. “Que com o imposto sobre ovelhas, e o imposto sobre vacas, e o imposto sobre o pão, e o imposto sobre o chá, e o imposto...”

“Eu sei, eu sei,” Gessler interrompeu; “Eu conheço todos os impostos. Vá ao ponto. Que têm eles?”

“Bem, sua Excelência, há impostos demais.”

“Demais!”

“Sim. E nós não vamos aturar isso por mais tempo!” exclamou Arnold de Melchthal.

Gessler inclinou-se para frente em seu trono.

“Posso pedir que você repita essa observação?” ele disse.

“Nós não vamos aturar isso por mais tempo!”

Gessler sentou-se novamente com um sorriso feio.

“Oh,” ele disse – ”oh, de fato! Vocês não vão! Queira o Senhor Carrasco vir aqui,” ele acrescentou a um soldado que ficava ao lado dele.

O Senhor Carrasco aproximou-se. Ele era um cavalheiro de aparência simpática com cabelo branco, e vestia um belo robe preto, decorado com bom gosto por caveiras.

“Sua Excelência me chamou?” ele disse.

“Exato,” replicou Gessler. “Este cavalheiro aqui” – ele apontou para Arnold de Melchthal – “diz que não gosta de impostos, e que não vai mais aturá-los.”

“Tsc-tsc!” murmurou o executor.

“Veja o que você pode fazer por ele.”

“Certamente, sua Excelência. Robert,” ele gritou, “o óleo está fervendo?”

“Acaba de ferver,” replicou uma voz do outro lado da porta.

“Então traga-o aqui, e lembre-se de não derramar nada.”

Entra Robert, vestido com escudo e uma máscara negra, carregando um grande caldeirão, do qual a fumaça subia em grandes nuvens.

“Agora, senhor, por favor,” disse o executor polidamente a Arnold de Melchthal.

Arnold olhou o caldeirão.

“Cruzes, está quente,” ele disse.

“Aquecido,” admitiu o executor.

“É contra a lei ameaçar um homem com óleo quente.”
















“Você pode mover uma ação contra mim,” disse o executor. “Agora, senhor, por favor. Estamos perdendo tempo. O indicador da sua mão esquerda, se me permite. Grato. Obrigado.”

Ele pegou a mão esquerda de Arnold, e mergulhou a ponta do fura-bolo no óleo.

“Ai!” gritou Arnold, pulando.

“Não deixe que ele perceba que o está ferindo,” murmurou Werner Stauffacher. “Finja que você nem percebe.”

Gessler inclinou-se para frente novamente.

“Sua opinião sobre as taxas mudou?” ele perguntou. “Você vê meu ponto de vista mais claramente agora?”

Arnold admitiu que pensava que, no fim das contas, algo nesse ponto de vista poderia ser defendido.

“Está bem,” disse o Governante. E o imposto sobre ovelhas? Você não o desaprova?”

“Não.”

“E o imposto sobre vacas?”

“Eu gosto dele.”

“E os sobre pão, e rosca, e limonada?”

“Eu os adoro.”

“Excelente. De fato, você está bem satisfeito?”

“Bastante.”

“E você acha que o resto do povo está?”

“Oh, bastante, bastante!”

“E vocês pensam o mesmo?” ele perguntou a Walter e Werner.

“Oh sim, sua Excelência!” eles exclamaram.

“Então está bem,” disse Gessler. “Eu tinha certeza de que vocês se sensibilizariam quanto a isso. Agora, se vocês gentilmente colocarem no pandeiro que o cavalheiro à minha esquerda está mostrando pra vocês um trocado para compensar-nos por nosso trabalho em ceder uma audiência a vocês, e se você” (para Arnold de Melchthal) “contribuir com mais um trocadinho por usar do óleo fervente imperial, eu acho que nós todos ficaremos satisfeitos. Vocês doaram? Está certo. Tchau, e cuidado onde pisam ao sair.”

E, quando ele terminou seu discurso, os três porta-vozes do povo da Suíça foram retirados da Sala de Audiência.

15 maio, 2007

Discurso de enterro

Vou contar a minha história, que vocês chamarão de banal ou vão dizer que não é digna de uma narração, por comum ou vulgar. Sou indiferente.

Eu nunca tinha sentido tanta fome na vida. Comia de três em três horas, e agora percebera que o sol estava a pino na primeira vez que abri o olho naquele dia. "Pelo menos dezoito horas de sono", calculava. Para mim, aliás, parecia que havia já três dias que não punha nada na boca. Os lábios estavam secos e o estômago se me contraia na barriga. Sentia o peso do terno sobre o peito e tinha dificuldade de respirar - "então fui dormir de terno depois da festa?", pensava. Lá fora tinha um barulho cansativo, constante, um burburinho que eu não conseguia bem identificar, mas o cheiro era de canapés. Senti uma vontade incrível de me levantar, mas parece que a fome me impedia de fazer qualquer movimento. Tentei gritar, pedir para que pusessem qualquer coisa na minha boca - minha mulher sabe o quanto eu gosto de canapés, deveria vir me servir um - mas o som não me saia da boca.

Percebam que eu poderia contar essa história de uma forma terrível, como se travasse uma luta contra mim mesmo, como se meu corpo desobedecesse minha mente, mas trata-se apenas de fome, e fome é algo por que todos passam um dia. Resolvi contar o caso dessa fome porque era muito intensa, e não porque um fato extraordinário me ocorria.

Eu continuei pensando em comer aqueles canapés, mas não era firme o bastante pra me levantar e comer, nem tinha força o bastante pra gritar pela Marta (minha mulher) ou pela Márcia (minha filha). Talvez eu conseguisse chamar o Zé Afonso, meu filho, pelo prenome, só por "Zé". Exigia pouco esforço e talvez tivesse efeito. Eu ia tentar, mas de súbito me lembrei de não estar falando com ele desde que ele pegou meu carro escondido para beber, bateu com ele e morreu. Agora ele estava em casa, de castigo no porão, desde pouco antes de morrer, enquanto convalescia. Só seria enterrado dali a três meses, quando a batida completasse meio ano. Sempre me orgulhei de ser um pai severo em qualquer situação, e uma morte não poderia atrapalhar a minha rigidez, se fosse ocasionada por culpa própria. Os médicos atribuem a morte dele a uma infecção contraída no porão, por causa da falta de limpeza por lá. Minha mulher insistia em me culpar por isso, mas eu trabalhava e ela cuidava da casa.

Um dia ela assumiu a culpa que negava - e que era minha, também, mas que em mim não pesava - e começou a levar lanches, escondida, pro Zé Afonso, já morto, como oferendas ao defunto. Eu fingia não ver, mas ela sabia que eu via. Era um trato silencioso que tínhamos, mas de que nossos filhos não desconfiavam. Só parou quando se convenceu de que era certo que isso acontecesse, porque tudo era conseqüência imediata do roubo do meu carro. Marta deu-me um beijo e disse "obrigada", mas nunca disse por que agradecia. Suponho que por eu tê-la livrado da culpa, de algum modo. Meu gasto com o Zé Afonso não tinha diminuído desde sua morte, e pela primeira vez eu percebi que poderia economizar alguma coisa pra comprar a minha moto dos sonhos - uma seiscentas cilindradas, da Honda -, e aquele pensamento me fez ficar sadicamente feliz com a morte do meu filho.

Desisti, portanto, de chamar meu filho. Fiquei deitado, esperando que alguma coisa importante acontecesse. Aconteceu. Minha mulher entrou no quarto, "Antero!" (na verdade, ela me chamou por um apelido que não cabe no corpo deste texto, por pessoal e constrangedor). Sem resposta. "Anteerooo!", mas nada. Eu tentava falar, mas não conseguia. Ela se desesperou. Começou a pensar que eu estava morto, pôs o ouvido sobre meu peito e não ouviu nada - o colete sufocava o meu coração, de forma que ele batia mais fraco, e o peso e a espessura do terno abafavam o Tum-Tum que deveria sair do meu peito. O pulso estava fraco o bastante para não ser sentido e a respiração lenta e quase imperceptível. "Está morto!", gritou ela chorando, "Tão jovem e... morto!". E eu nem era tão jovem, já passara dos quarenta. E estava vivo: eu respirava com dificuldades, meu coração batia fracamente e o pulso era imperceptível para qualquer um, mas mortos não sentem fome, eis um axioma universal da medicina, provado empiricamente pelo meu filho, que nunca comeu nada do que a mãe levava para ele no porão.

A reação imediata de Marta foi expulsar as visitas de casa, com algum pretexto, e quando todos saíram, em vez de chamar um médico, ela acorreu ao meu filho, louca para dar a ele um enterro digno. Porque assim são as mulheres: basta que você vire as costas um pouco ou que achem que você está morto e elas já teimam em te desobedecer, como se Deus tivesse dado também a elas o livre arbítrio. Ligou para a funerária, encomendou um caixão de luxo - enquanto isso, o cheiro dos canapés invadia fortemente o quarto, agora de portas abertas, desde que Marta saiu desesperada atrás do telefone sem fio, que nunca estava no gancho.

O cheiro era tão forte e tão atraente que eu consegui juntar forças para me livrar do terno e do colete, ficando apenas com as calças, as meias e a camisa de botões. Algum tempo depois, recuperada a capacidade plena de respiração, levantei-me para buscar um canapé. Andava como um morto-vivo deveria andar, se existisse. Acho que Marta descobriu que existem naquele instante: ao me ver, caiu dura no chão, o rosto deformado de susto, o coração parado. Na hora não dei muita importância, o canapé me era mais importante. Comi três até achar o de cogumelo, seção em que parei para comer uns oito ou dez. Depois comi alguns de camarão. Satisfeito o estômago, busquei uma cerveja, mas só tinha água e Coca-cola na mesa. "Que tipo de recepção é essa?", pensei, enquanto me servia de Coca. Feliz, lembrei finalmente de coisas menos importantes, como Marta.

Pensei por não mais que trinta segundos no que fazer e me decidi. Levei Marta para o porão, depois de me assegurar que ela estava morta e que, portanto, não me poderia matar de susto como eu fizera com ela. Ela ficou trancada por três meses, até hoje, dia em que enterro juntos minha esposa e meu filho mais velho. Obrigado a todos por virem ao enterro, os canapés de cogumelo estão à esquerda, os de camarão no meio. Os outros não valem a pena. Sei porque provei todos naquela recepção de que vocês foram expulsos, lá em casa.

13 maio, 2007

O melhor para poder crescer

Sei que não sou a pessoa mais indicada pra falar disso, afinal, como estudante de jornalismo, treino pra não ser a pessoa mais indicada pra falar de qualquer coisa. Mas teimo em falar, porque, afinal, é isso que um jornalista faz: falar de coisas que outros saberiam dizer melhor. Que seja.

Sempre me surpreendo, por mais que se repita, por mais que todo o mundo me exiba isso com mais clareza que seria natural exibir, com a completa burrice de algumas pessoas. São pessoas que não deixam de mostrar certa prepotência quando falam sobre tudo aquilo de que não entendem. Isso é comum principalmente entre os jornalistas e os professores universitários - duas classes que, unidas, resultam em algo como uma pessoa que acha que a leitura pode tirar um país do subdesenvolvimento e que teria coragem de dizer isso para uma turma de alunos estúpidos que concordariam com ele.

E o que me choca, então, se todos são de fato estúpidos? É que, prepotente ou não, não me considero estúpido. E não acho que seja possível que alguém leve a sério a existência de uma turma inteira que ache que a leitura pode melhorar a qualidade de vida.

Isso me irrita. Irrita porque essa pessoa insinua que temos, ali, uma turma de elevada produção intelectual e que não há analfabetos na turma, que ninguém escreveria "João i Pedro é legal", mas eu sei que escreveriam. Sei que ninguém ali hesitaria em escrever "A leitura é a saída para o Brasil melhorar", acreditando em tudo o que os professores da faculdade lhes disseram. Essas pessoas nunca pararam pra pensar que o que o professor Everaldo ensinou podia estar errado e que não se perde tempo lendo quando todos só se preocupam em comer.

E não se surpreendam, meus amigos, se o tipo de gente que acredita nesse lixo for considerado algum dia o "melhor alguma coisa": a Míriam Leitão foi. A Míriam Leitão deve acreditar no Keynes, no controle de juros, no cálculo econômico com variáveis do tipo "satisfação do povo" ou "felicidade da nação", medidas no sistema hexadecimal (aquele que, entre o nove e o dez, tem A, B, C, D, E e F) e com peso três elevado a pi e, naturalmente, no poder dos livros como salvação do mundo.

Eu não acredito nisso, não sou a pessoa certa pra falar disso, e acredito que os jornalistas deveriam ser contratados pra ficar calados. Mas não me calo, não sou jornalista ainda: essa crença vem de uma inversão de tempo, eu acho. Quando as pessoas têm algum tempo ocioso, quando elas podem comprar um livro e lê-lo sem ter que parar de comer pra isso, elas começam a ler. Um país que lê mais começou a ler a partir do momento em que ficou bem economicamente, e não foi a leitura que o melhorou, foi o trabalho. A leitura é, em termos mais claros, desperdício.

Os políticos do Brasil, em vez de incentivar a leitura, portanto, deveriam ficar calados enquanto as pessoas trabalham, sem confusão, decidindo o que é melhor pra elas - que geralmente não é leitura. Se eu pudesse passar toda a vida sentado numa cadeira comendo pastéis de nata e deitado com a Milla Jovovich de um lado e a Scarlett Johansson do outro, não leria um livro jamais. Só se lêem livros como alternativa ao tédio da má programação televisiva.

E mais: livros não geram conhecimento. Livros são conhecimento gerado, pronto, mastigado, ao dispor de qualquer um que queira ou precise utilizá-lo. Essa história de que livro gera conhecimento é outra mentira que espalham a fim de que o povo deixe de trabalhar e vá ler um livro, sabe Deus pra quê.

O problema é que eu não percebi bem ainda de onde vem esse fetiche por livros, mas suspeito que seja algum lobby dos intelectuais que acham que o trabalho físico é degradante. Degradante, eu digo, é um mundo sem pastéis de nata. E pastéis de nata não são feitos por intelectos superiores que citam A Ilíada, são feitos por mãos delicadas que sovam a massa e preparam o recheio.

P.s.: Resisti a digitar esta notinha aqui, mas fiquei com medo de todos me chamarem de chato e burro e decidi falar: essas observações só são válidas no curto prazo, que é o que importa mais para as pessoas de um país em que o trabalho rende pouco. Pronto, falei. Desculpem-me, espero não perder a sua clientela. Voltem sempre, abraços. E feliz dia das mães.

10 maio, 2007

Pintassilgos agradam mais que o risco de levar um tiro

Ninguém vai discordar de mim se eu disser que ninguém é capaz de saber tudo. Absolutamente tudo, quero dizer. Tudo sobre todas as coisas. Essa é uma característica atribuída, geralmente, a Deus, por inalcançável a qualquer mortal.

Só há uma coisa a se deduzir daí (na verdade, uma dedução um pouco forçada, uma conclusão mais indireta, que, suspeito, não vai incomodar vocês, e, se incomodar, desculpem-me): todo o conhecimento que existe está dividido entre todas as mentes humanas, em proporções não necessariamente semelhantes, e sobre todos os assuntos e sob todos os ângulos. Há pessoas, entretanto, que querem que saibamos de tudo o que acontece na favela ou na periferia, como se esse fosse algum tipo de conhecimento superior - a metafísica das favelas, a teologia da pobreza. A eles não importa se você entende mais de política ou de desenhos animados ou de Racine, você será sempre alienado, até saber de toda a realidade sofrida da favela, até compreender a cultura da periferia.

A alienação é uma coisa tão absoluta para essas pessoas como as outras coisas são relativas, e o alienado é sempre você, porque você, habitante de Jundiaí, não se importa com o que os traficantes do Rio de Janeiro têm feito com os moradores da favela.

Tudo bem, esse tema tem um apelo humano, um apelo sentimental, mas algumas pessoas acham muito mais humano observar pássaros que dedicar seu tempo à biografia de Fernandinho Beira-Mar. Se essas pessoas estão certas não posso dizer, mas eu, sinceramente, concordo com elas.

08 maio, 2007

Diálogo francês sobre novo presidente

- Sarkozy é legal, né?
- Péssimo!
- Discutamos...
- Se você discordar, eu queimo seu carro.

06 maio, 2007

Um bom argumento

Se tudo é arte e toda arte é boa, por que quem acredita nessas idéias perde tempo sendo artista? Tão bom e tão útil quanto isso não é observar a arte espalhada em todos os lugares?

04 maio, 2007

Breve recado e bençãos

Voltaire me converteu ao deísmo.

É isso. Ide em paz e que as leis da física vos acompanhem.

02 maio, 2007

A Completa História do Brasil pelos petistas - Um tratado cronológico em duas linhas

1500 - 2001: Colônia. Brasil dependente do grande capital estrangeiro; governo tucano.
2002 - hoje: Independência. Economia consolidada, desenvolvimento sustentado.
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P.s.: Na versão pocket (formato deste blog) são quatro linhas.