30 junho, 2007

Mais uma resenha da faculdade

Na verdade, acho que eu não tenho nada pra postar aqui, mas eu gosto de postar, é divertido. A professora pediu uma resenha que destacasse "o lado multicultural" de Amores Expressos, nos moldes de Stuart Hall. Tentei fazer um texto que não parecesse chato.

Amores Expressos

O filme “Amores Expressos”, de Wong Kar-Wai, é uma grande mostra de multiculturalismo: apesar de ser chinês, o diretor renegou suas origens e decidiu fazer um filme que mostra como os orientais são mais idiotas que os ocidentais. Culpa da assimilação da cultura ocidental por Kar-Wai, que nasceu em Xangai, mas foi para Hong Kong quando tinha cinco anos, onde viveu sem dominar o idioma cantonês até os treze, numa completa demonstração de repúdio à cultura local.

Como ele não usa um roteiro fixo para seus filmes, eles são realmente o que parecem ser: uma bagunça completa, em que ninguém consegue identificar o ápice (“Pessoal, a história é por aí, podem atuar como quiserem” não parece a melhor forma de dirigir um filme). Mesmo assim, meu coração me dizia que eu precisava gostar daquele filme se eu quisesse fazer uma boa resenha. Eu precisava, mas não consegui, meu cérebro bloqueou as poucas tentativas de considerar aquele um filme médio, e daí deriva a completa vaguidão deste texto – que não deixa muito a dever para o filme, que muda de foco sem aviso, tornando-se um outro filme, independente do primeiro.

Mas isto não é uma resenha do filme – ah, não!, e se fosse não seria nem um pouco elogiosa –, é uma resenha do conteúdo multicultural que ele supostamente apresenta (foi dito antes de o filme ser apresentado que ele seria altamente multicultural, mas veja você: tudo o que se nota de multiculturalismo nele são aviões provavelmente alemães ou canadenses, anti-propagandas descaradas da Pepsi, da Skol e da Gradiente, que exibiram produtos de seus rivais Coca-cola, Sol e Phillips no filme, na intenção de desmoralizar essas empresas, e uma música americana – California Dreamin’, do “The Mamas and the Papas”).

Talvez, na realidade, o filme seja tão hermeticamente oriental que eu tenha sido incapaz de entender exatamente o que ele queria, e o multiculturalismo, nesse caso, fica apenas na relação do espectador ocidental com o filme – uma relação não muito amistosa. Por exemplo: é engraçado para um ocidental que, ao ser abandonado pela mulher, passe-se a comer apenas abacaxi em compotas. Sério, isso está no filme, e com tom de tristeza. Abacaxi deve ter algum sentido especial para os orientais, fruta da tristeza ou coisa que valha. Para um ocidental parece meramente patético.

Além disso, outra coisa multicultural que se percebe é que as legendas parecem nos enganar o tempo todo, pois resumiam em pequenas frases de cinco palavras os doze minutos do enfadonho monólogo inicial. Ah, e as tentativas de comédia! Os orientais parecem viver num mundo que não conheceu Freddy and Frederika, de Mark Helprin, ou qualquer livro do Wodehouse, ou, falando em cinema, A vida de Brian, do Monty Python, e se prende a um humor meio forçado e não muito engraçado (mais ou menos o humor que crianças da sexta série usam em seus trabalhos escolares) da repetição de situações que até nos fazem esboçar um sorriso uma vez, mas ouvir que “o sabonete está mais gordo”, “o urso [que na verdade é um tigre] está mais alegre”, “a casa está chorando” várias vezes fica entre o simplesmente infantil e o completamente ruim – num ponto central entre esses dois pólos. E o personagem é só idiota de não notar que seu urso foi trocado, porque não há tristeza que cegue alguém tão completamente, e, se houver, só ataca os idiotas.

Permita-me voltar agora ao primeiro parágrafo de meu texto. Eu disse que o filme mostrava como os orientais são idiotas, e sinto que os muitos exemplos que dei ainda não provaram isso (comer abacaxi por trinta dias, pensar que a casa está chorando e precisar de doze minutos pra traduzir uma frase em seu idioma não são provas suficientes para alguns). A prova derradeira é que os personagens brincavam de avião enquanto estavam na cama. Provavelmente os orientais não praticam sexo como nós, talvez não transem quando estão sozinhos em casa, na cama, mas, sabe Deus, no meio da rua, enquanto toca California Dreamin’ e milhões de pessoas passam de lá pra cá e olham a beleza do ato sexual. Agora, brincar de avião não se faz em público. Talvez o povo ache que eles estão alegres demais e os condene por isso.

Pronto, cheguei forçadamente num ponto que queria: a alegria. O único aspecto do filme que desperta alguma reação positiva é quando a menina protagonista chinesa (a que não usa peruca) ajuda o jovem protagonista chinês (não me lembro se o policial ou o outro, está tudo embaralhado na minha cabeça) a superar a tristeza por que passava por ter sido abandonado pela mulher. A menina que ouve California Dreamin’ é a única pessoa feliz do filme, e isso me evidencia que a alegria é muito ocidental. Sabe aquele negócio de “Alegría Macarena”, “Bahia, terra da alegria”? Verdade. Ninguém é feliz em Hong Kong, a menos que ouça músicas americanas e dance desengonçadamente enquanto lava a casa de algum quase estranho. O multiculturalismo de “Amores Expressos” prova que, se não for no pingue-pongue, o ocidente dá de dez a zero no oriente (vide Spielberg, Scorsese e a Copa do Mundo de Futebol).

28 junho, 2007

Soberba

O melhor blog do mundo:

26 junho, 2007

A solenidade que estraga a arte

Às vezes eu fico pensando que só não gosto de alguns tipos de arte porque se levam a sério demais. O surrealismo, por exemplo, pode ser divertido. Mas céus, como são chatos os surrealistas, com aquele papo de psicológico e sabe Deus mais o quê. Falta humor na arte.

Eu até simpatizo com o dadaísmo - ah, vamos fazer piadas de tudo -, mas tem gente que leva o dadaísmo a sério. Pessoal, é uma brincadeira. Pessoas reverenciam o "ceci n'est pa une pipe", do Magritte, com muita solenidade. Parece que não entendem que aquilo, se não é um cachimbo, é uma piada. O surrealismo todo é uma piada. Todo o dadaísmo é uma piada. E isso não é diminuir nenhum dos dois, é pô-los nos seus lugares.

Se a arte tem uma intenção, e se essa intenção é o lazer contemplativo, nada melhor que uma piada desenhada. Por que as pessoas se recusam a ver que a arte contemporânea é uma piada? É isso que analisarei com muita imparcialidade logo abaixo:

Porque são imbecis. Idiotas. Retardados. Retrógrados além do que me acusam ser - sim, porque me chamam de retrógrado. Ao que me parece são eles, e não eu, que se prendem a uma visão antiga de arte para analisar a arte atual. É como se ligar às cavernas para julgar a arquitetura medieval, ou (acho mais apropriado) se ligar à arquitetura medieval para julgar a moderna. A arquitetura moderna é uma piada, a medieval era divina. A arquitetura moderna vai pro inferno.

As pessoas exigem uma mudança na arte, mas não aceitam que ela mude de sentido. Não aceitam que uma piada pode ser tão boa quanto uma oração, tão agradável quanto um quadro sério de um homem de bigodes em fundo preto. Querem revolucionar, mas mantêm-se presos a um significado antigo. Querem implantar uma arte irreverente relevando completamente a irreverência dela em nome de algo sublime que "deve estar ali, em algum lugar sob a tela".

Entenda-se que não se trata só de meu gosto - particularmente gosto de alguns textos dadaístas, como o manifesto de Tristan Tzara (e aquela história de "por princípio, sou contra princípios"? E "ser contra nós é ser um de nós"? Ninguém vê a piada aí? Façam-me o favor) -, mas de um fato que me entristece às vezes, que é a oposição que encontro às artes solenes. Ninguém sabe se opor devidamente ao academicismo, e eu resolvi assumir o papel, muito dadaísta, de me opor a mim mesmo e explicar os motivos de o surrealismo poder ser aceito como arte, de o dadaísmo poder ser aceito como arte, e transformá-los apenas numa arte não muito boa a meu ver. Deixe de ser uma questão de não presta para ser uma questão de eu não gosto.

Falo sério. Meu coração dói ao dizer isso, se contorcendo em espasmos de amargura por ter que dar o átrio a torcer, mas o dadaísmo e o surrealismo são tão arte quanto o barroco e o romantismo, e o que os diferencia é apenas o bom gosto do observador - que deve, em situações normais, tender ao barroco e ao romantismo.

A solenidade não é característica da arte, mas de uma época dela. O problema é que se deu tão bem com a arte que, quando foi ser substituída, as pessoas simplesmente se recusaram a aceitar o substituto - no caso, o humor. Pois não é que ele está lá, validando toda a minha tese?

(Não que não haja humor nas obras medievais, mas ele é mais sutil, quase transparente. A função dele é secundária. É como a solenidade, que ainda aparece em algumas obras surrealistas, mas lá atrás, bem no fundo, só pra marcar presença e não reprovar por falta).

Comparem, por exemplo, a Natureza Morta-viva, de Dali, com qualquer quadro de Rembrandt (sugiro a ronda noturna ou a lição de anatomia do Dr. Tulp) e vocês vão ter uma idéia do que estou falando.

24 junho, 2007

Sand art











Clique na foto pra ver mais. E que eu caia duro agora mesmo se isso for só areia.

22 junho, 2007

Por favor, não me respeite

"Respeito sua opinião" é a pior forma de discutir. É como se todas as coisas da vida fossem opiniões: "na minha opinião o nazismo é bem ruim, mas se você não acha, fazer o quê? Respeito sua opinião, mas discordo".

Acho que é esse respeito excessivo que acaba com qualquer possibilidade de um bom debate, essa necessidade de tentar se proteger protegendo o outro numa discussão. O povo parece perder a mão na moderação sempre, e acaba respeitando opiniões demais, como se "certo" e "errado" fossem sempre nuances ou pontos de vista. É por isso que o debate acadêmico não serve pra nada: todos estão sempre respeitando as opiniões alheias, todos são incapazes de combater a origem do erro e combatem apenas a estética dele "ah, mas a sua opinião é tão feia, na minha opinião".

As discussões não servem pra mudar a opinião de ninguém, porque todas elas são respeitáveis "assim, eu acho que dois mais dois são quatro. Se você discorda, fazer o quê?". Esse pensamento preguiçoso é o responsável por tanta presença de idéias tortas no ensino superior: aqueles que estavam certos aceitam que sua certeza é apenas opinião e passa a ser conivente com todos os erros que vêem. "Ah, mas tal professor é de uma corrente que acredita que o assassinato é algo justo. É uma corrente filosófica válida".

Não posso pedir pelo mundo, não tenho essa autoridade, mas peço em meu nome, com humildade o bastante pra reconhecer que erro: se quiser me convencer que estou errado, não respeite minha opinião, destrua. Não leve minhas idéias em conta, prove que elas não valem. Ou simplesmente não discuta comigo, que não me agrada discutir no vazio.

20 junho, 2007

Anti-lulismo é tão chato quanto o lulismo, mas torce pelo lado certo

Só tem uma coisa que me permite apoiar o movimento anti-lulista: eles não são "pró-alguém". Todos os anti-Lula perdem o crédito quando apóiam algum político qualquer, como se fosse melhor que o Lula.

Não quero dizer que não haja políticos melhores que o Lula, quero dizer que não há no Brasil. Não, não há. O Lula é algo como uma cópia do FHC, do Alckmin e de todo o resto (ou você pode mudar quem é cópia de quem, a ordem aqui não importa). Sou indiferente a qualquer coisa que digam, porque sempre serão mentiras, e contra todas as coisas que façam, porque sempre estarão erradas.

As propostas dos políticos no Brasil se resumem a "qual a melhor forma de ferrar com o contribuinte?" e "o que devemos fazer pra que o povo não fique triste conosco quando metermos as mãos em seus bolsos?". Não sei se isso se repete no mundo todo (mentira, sei, sim, mas não quero entristecer o leitor), tento acreditar que não.

Acho que não é a primeira vez que falo do anti-lulismo aqui, e o leitor deve estar cansado (talvez tenha pulado do primeiro parágrafo para este, e peço que volte e se esforce para ler os parágrafos que saltou) do assunto, mas o blog é meu e falo do que quiser, e vou concluir o post de maneira inesperada, mas bonita, e vocês não vão achar nenhuma relação do post com o final, simplesmente porque não existe:

19 junho, 2007

Ah, sabe aquela história de postar menos por causa de um romance? Esqueçam por enquanto - até o fim do mês. Estava escrevendo um parágrafo e no meio da descrição alguns fogos resolveram explodir na varanda do quarto andar, justamente onde eu moro, dando tchauzinho e me obrigando a escrever passagens como a seguinte:

"A noite é fria no deserto. Passamos quase cinco horas expostos ao vento que de tão seco corta a pele e de tão frio POW POW POW POW! BANG! BANG! TUM! congela a alma (...)"

Isso significa que amanhã vocês devem ter post novo.

16 junho, 2007

É interessante: Stephen King já está no sétimo volume da Torre Negra e, por acaso, sete é o número de leitores que ele conserva.

15 junho, 2007

Cada blogueiro um Godard

Faz um tempo já que tenho notado, mas sempre tive vergonha de escrever sobre isso - um medo sem tamanho de ouvir todos vocês gritando “Clichê! Clichê!” no meu ouvido enquanto durmo abraçado ao meu travesseiro e sonho com o último episódio de House -, pois vocês devem ter percebido também como os blogs são circulares em seu público.

É difícil haver leitores não blogueiros, pode reparar. Parece que todos os que querem ler pela Internet têm um blog, todos os leitores são diretores de cinema que só agradam a outros diretores de cinema, mais ou menos como Godard - podem notar que só pessoas com a vida dedicada ao cinema conseguem ver mais de quinze minutos de um filme dele sem fugir gritando "Aaaaaa!" com o maxilar imóvel e escancarado, os lábios rachados de horror e a língua balançando na enorme cavidade, com pequenas gotas de cuspe saltando da boca e regando os canteiros bem ornados do lado de fora da sala de exibição. Compare-se com Spielberg, que agrada aos não diretores, e têm-se uma divisão entre os bons e os maus blogueiros, mas ao contrário.

A diferença entre blogs e cinema é que os bons blogueiros costumam ser - eu acho - aqueles que agradam principalmente aos próprios blogueiros. Se formos ver, os blogs com público "normal" costumam ser extremamente ruins - vejam os dez mais visitados do Brasil e chorem até secar os olhos da alma, porque seus olhos físicos não darão conta de tantas lágrimas. Sinceramente, não sei se é por causa da situação incipiente (ui, incipiente, nossa!) do meio ou porque estou nele, mas acho que os blogs com leitores blogueiros são melhores que os filmes com público cinéfilo. Spielberg é muito melhor que Godard, mas o Interney (não vou pôr link, tenho vergonha) não é, nem de longe, um Rodrigo de Lemos (aqui eu ponho link, vale a pena).

Veja bem, aqui eu ponho em cheque minha própria opinião, porque realmente isso me intriga. Sinto que sou obrigado a aceitar uma das duas formas pra poder soar consistente e, quando for confrontado, não cair em contradição: ou Spielberg é melhor que Godard e, portanto, Interney é melhor que Chá das Cinco, ou Godard é melhor que Spielberg, e o Rodrigo de Lemos continua melhor que o Edney. Porque dizer que o Rodrigo de Lemos é melhor que o Edney é confiar na crítica especializada (a minha e a de outros blogueiros), e isso deve me levar a aceitar a crítica especializada do cinema como válida; dizer que Interney é melhor é acreditar no julgamento do povão, com quem concordo quanto ao cinema.

Na situação atual, sou uma espécie de Frankenstein (o monstro, não o doutor), com cabeça de crítica e corpo de povão (ou o contrário, que seja, é só uma metáfora em que as partes não importam, mas a imagem de cabeça de crítico e corpo de povão me agrada mais) (e aqui vou colocar mais parêntesis pra confundir o leitor e deixá-lo pensando que esse parágrafo teve um final e que ele se perdeu por causa do grande número de observações desnecessárias que eu fiz, e não porque realmente é um trecho vazio. Parece mais honesto ser desonesto; mais divertido é, tenho certeza).

Ou posso simplesmente assumir que a crítica do cinema é burra e a dos blogs é inteligente. Parece mais cômodo, mais certo, e não precisa que eu mude de opinião.
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Pessoal, provavelmente vou reduzir a freqüência de minhas postagens; estou começando a escrever um romance e quero terminar em uns seis meses.

14 junho, 2007

Lawrence

A humanidade não tinha direito de existir antes de 1962. E, se existia - tenho dúvidas -, não tinha o direito de se chamar "racional" ou "humana". Não existia Lawrence da Arábia antes de 1962. Dizer isso soa como dizer que não existia Deus antes de 1962: falso; mas é o que conta a história, Lawrence da Arábia não precedeu o homem, foi criado por um, o que equivale a dizer que Adão criou Deus, e não o contrário. A contagem dos anos foi zerada quando Jesus nasceu. Não vejo porque não começarmos a contar do zero de novo, a partir de Lawrence da Arábia.

E quem disser que exagero merece morrer como desertor nas mãos dos Turcos.

Em 1963, a Academia negou o poder do rei, chamou-o "falso profeta". Quando a Academia cair, todos se lembrarão disso, e ninguém ficará triste.

13 junho, 2007

Rápida V

Dizem que os chineses escreviam tudo em papel de arroz. Depois comiam pra internalizar o assunto.

11 junho, 2007

Rápida IV

"Estado" é um ente com todos os poderes de Deus e todos os defeitos do homem.

09 junho, 2007

Rápida III

Defeito é tudo o que um homem releva em uma mulher com corpo bonito e que uma mulher revela nessa mesma mulher.

08 junho, 2007

William Tell Contado Novamente

(Capítulos I, II e III)
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Capítulo IV

Discutindo o assunto na estalagem da cidade, a Glass e Glacier, os cidadãos chegaram à conclusão de que deveriam escolher três porta-vozes para explicar a Tell o que queriam que ele fizesse.

“Eu não quero parecer orgulhoso, de forma alguma,” disse Arnold de Sewa, “mas eu acho que eu deveria ser um dos três.”

“Eu estava pensando,” disse Werner Stauffacher, “que seria uma lástima ficar sempre mudando e remudando. Por que não escolher os mesmos três que foram mandados a Gessler?”

“Não que eu queira ser desagradável, de forma alguma,” disse Arnold de Sewa, “mas deve ser desnecessário lembrar ao honrado cavalheiro que acaba de falar que ele e seus igualmente honrados amigos não tiveram muito sucesso quando falaram com o Governador.”

“Bem, você também não teve!” vociferou Arnold de Melchthal, cujo dedo ainda doía e o deixava um pouco mal-humorado.

“Isso,” disse Arnold de Sewa, “eu dedico inteiramente ao fato de que você e seus amigos, por não usarem de tato, irritaram o Governador, e o deixaram sem vontade para escutar qualquer outra pessoa. Nada é mais importante nesses negócios que tato. Eis o que vocês querem – tato. Mas façam da sua maneira, não se preocupem comigo!

E os cidadãos não se preocuparam. Eles escolheram Werner Stauffacher, Arnold de Melchthal e Walter Fürst, e, tendo secado seus copos, os três marcharam montanha acima, rumo à casa de Tell.

Ficou combinado que todos esperariam na Glass e Glacier até que os três porta-vozes retornassem, para que eles ouvissem o resultado de sua missão. Todos estavam muito ansiosos. A revolução sem Tell seria quase impossível, e não era improvável que Tell se recusasse a ser seu líder. O pior de uma revolução é que, se ela falha, o líder é sempre executado como um exemplo para o resto. E muitas pessoas se recusam em ser executadas, ainda que isso dê um bom exemplo para seus filhos. Por outro lado, Tell era um homem bravo e patriota, e devia ser o único tão impaciente a ponto de tentar acabar com o jugo do tirano, qualquer que fosse o risco. Eles esperaram por cerca de uma hora, quando viram os três porta-vozes descendo a montanha. Tell não estava com eles, um fato que fez os cidadãos suspeitarem que ele tinha recusado sua oferta. A primeira coisa que um homem faz quando aceitou a liderança de uma revolução é vir e conspirar com seus companheiros.

“Bem?” disseram todos impacientemente assim que os três chegaram.

Werner Stauffacher balançou a cabeça.

“Ah,” disse Arnold de Sewa, “Eu já vejo o que é. Ele recusou. Vocês não usaram tato, ele recusou.”

“Nós usamos tato,” disse Stauffacher indignadamente; “mas ele não se persuadiria. Foi assim: nós fomos pra casa e batemos na porta. Tell a abriu. ‘Bom dia,’ eu disse.

“’Bom dia,’ disse ele. ‘Sente-se’

“Eu me sentei.

“’Meu coração está carregado,’ eu disse ‘e deseja falar com você.’ Eu achei essa uma forma elegante de falar pra ele.”

A companhia murmurou em aprovação.

“’Um coração pesado,’ disse Tell, ‘não vai ficar leve com palavras.’”

“Nada mal!” murmurou Jost Weiler. “Tell tem uma forma inteligente de dizer as coisas.”

“’Mas palavras,’ eu disse, ‘podem nos levar a façanhas.’”

“Elegante,” disse Jost Weiler – “muito elegante. Sim?”

“Para o que a resposta extraordinária de Tell foi: ‘a única coisa a fazer é sentar e esperar.’

“’O quê!’ eu disse; ‘sofrer no silêncio o insofrível?’

“’Sim,’ disse Tell; ‘para homens pacíficos a paz é alegremente garantida. Quando o Governador perceber que sua opressão não nos causa revolta, ele vai se cansar de nos oprimir.’”

“E o que você falou sobre isso?” perguntou Ulric, o ferreiro.

“Eu disse que ele não conhecia o Governador se ele achava que algum dia ele ia se cansar de oprimir. ‘Nós podemos fazer mais,’ eu disse, ‘se nos abraçarmos forte. A união faz a força,’ eu disse.

“’O forte,’ disse Tell, ‘é mais forte quando fica só.’

“’Então nosso país não deve contar convosco,’ eu disse, ‘quando em desespero ele luta em legítima defesa?’

“’Oh, bem,’ ele disse, ‘dificilmente, talvez. Eu não quero fazer você desistir. O que eu quero dizer é que eu não tenho utilidade como um conspirador ou um conselheiro e esse tipo de coisa. De onde eu venho a força está na ação. Então não me convide para seus encontros nem me faça falar e todo esse tipo de coisas; mas se você quer um homem pra fazer qualquer coisa – bem, aí é onde eu devo entrar, você sabe. Me escreva se precisar de mim – um cartão-postal basta – e você não vai ver William Tell se recusar. Não, senhor.’ E com essas palavras ele nos mostrou a saída.”

“Bem,” disse Jost Weiler, “Eu acho isso encorajador. Tudo o que temos que fazer agora é conspirar. Conspiremos.”

“Sim, conspiremos!” exclamaram todos.

Ulric, o ferreiro, pediu por silêncio na mesa.

“Cavalheiros,” ele disse, “nosso amigo, o Senhor Klaus Von der Flue, vai agora ler um documento sobre ‘Governantes – suas desvantagens e como se livrar deles.’ Silêncio, cavalheiros, por favor. Agora, então, Klaus, companheiro, leia todo o documento.”

E os cidadãos se acalmaram sem mais atraso para fazer uma pequena e séria conspiração

07 junho, 2007

Rápida II

Amizade é a aproximação de mentes parecidas. Daí a popularidade dos medíocres e o isolamento dos melhores.

05 junho, 2007

Nasce o Novo Eu

O Novo Eu é uma pessoa que gosta muito de brasilidade, de tropicália, que samba no terreiro e mata galinha preta.

Acontece que o Jack me apresentou há uns dias ao Mário Ferreira dos Santos (clicando aqui, você tem acesso a alguns textos dele), um filósofo brasileiro e bom ao mesmo tempo, por incrível que pareça a princípio. A conclusão a que isso me levou é simples: existem brasileiros bons, mas o Brasil tenta escondê-los. A situação que me ocorre é a seguinte:

Lá vai o Mário Ferreira andando feliz pelas ruas, de vez em quando apoiando a ponteira de prata da bengala sobre algum chiclete e dando um risinho triste, mas sem decepção. Quando ele grita sua premissa em tom de eureca, "Alguma coisa há, e o nada absoluto não há!", no meio da rua, esquecendo o sinal de pedestres vermelho e atravessando a salvo graças à bondade do motorista que parou fora da faixa para aquele homem nobre, um monte de gente vai buscar sacos de cem litros pretos, bem resistentes, e dizem, apontando seus dedos velhos e trêmulos por falta de auto-confiança (pois a primeira mostra de falta de auto-confiança é o envelhecimento precoce e a segunda é o tremor dos dedos): "Lá vai ele, o homem que ousou dizer uma verdade! Busquemos, prendamos e guardemos esse homem para sempre. A verdade precisa ficar segura!" E todos fazem isso, jogando Mário Ferreira num desconfortável baú de carvalho.

Depois, os brasileiros esquecem esse tipo de gente no baú, onde eles ficam guardados eternamente ou até que alguém como o Jack os solte. Mas ele é liberto já velhinho, com longa barba e cabelos grisalhos, e aqueles que antes tentaram protegê-lo do mundo para que sua verdade ficasse a salvo não acreditam mais nas palavras dele, porque "se ele não ficou conhecido até hoje, certamente não é melhor que Clarice". Clarice nunca foi presa porque nunca disse verdades. Poucas pessoas verdadeiras no Brasil estão a salvo.

Daí o meu novo surto de brasilidade-axé-meu-nego. Acredito que há mais Mários Ferreiras escondidos por aí, que talvez tenhamos excelentes escritores que ficaram "a salvo" até hoje (não faz muito tempo, conheci Campos de Carvalho e adorei), excelentes músicos, ótimos filósofos, talvez bons pintores e, menos provavelmente, bons filmes.

E não paro por aqui. Eu encontrei o culpado por isso que acontece no Brasil e, é triste, mas sou eu. Quando alguém me diz "olha, esse é um bom escritor" e o nome estampado na capa é "José", "Pedro", "João" ou "Mário", desisto antes de abrir. O meu preconceito contra o Brasil esconde os brasileiros, meus dedos são velhos e trêmulos e eu não procuro os bons brasileiros ocultos pelas gerações passadas - e talvez oculte os desta geração para o futuro.

Há no Brasil muitas coisas boas, e há coisas inclusive de que nos ufanarmos: "veja, Mário Ferreira é brasileiro", "veja, Monteiro Lobato viveu no meu país", "veja, Mário Quintana, Santos Dumont". Diogo Mainardi é, creio, o melhor polemista do mundo atualmente (a idéia de ver a Ann Coulter como boa polemista me dá calafrios e pena da terra de Mencken). Até o inventor do rádio é um padre brasileiro jogado num baú qualquer por aí, a salvo do contato com a realidade - quando ele inventou o rádio, os brasileiros diziam que aquilo era impossível e ficou por isso, ninguém se preocupou em testar, jogaram logo o pobre num baú onde ele descansa até hoje.

Enquanto eu, leitor, estou aqui, evitando os brasileiros e trocando-os por um inglês ou um francês, os brasileiros de mau gosto estão à solta, escolhendo nossos ídolos do futuro. Nossos próximos Caetanos, próximos Gils não serão melhores que os atuais (talvez piores, talvez sejam Kellys Keys) e a culpa é minha (ouso dizer que é de todos os indivíduos que olham com nojo pra tudo o que o Brasil produz, e isso pode incluir você, leitor).

A partir de hoje não terei tanto preconceito contra os brasileiros e tentarei ler alguns livros deles sem lembrar que são brasileiros. Talvez - só talvez, não posso garantir - eu consiga gostar de algum escritor brasileiro atual, sem me lembrar do fato de que ele é brasileiro (gostar de alguém lembrando que é brasileiro é como fazer uma ressalva, como dizer "ele é um excelente atleta perneta").

03 junho, 2007

Rápida I

Há doze gerações ele é o médico da nossa família. Não é que ele tenha vivido muito, nós é que morremos cedo.

01 junho, 2007

William Tell Contado Novamente

Capítulo I, Capítulo II e:

Capítulo III

Em um chalé pequenino e pitoresco no alto das montanhas, coberto de neve e edelweiss (que é uma flor que cresce nos Alpes e que você não pode colher), residiam William Tell, sua esposa Hedwog e seus dois filhos, Walter e William. Tell era um homem tão notável que eu acho que tenho que devotar um capítulo inteiro para ele e suas proezas. Não havia realmente nada que ele não pudesse fazer. Ele era o melhor flecheiro de toda a Suíça. Ele tinha a coragem de um leão, o equilíbrio de uma cabra selvagem, a agilidade de um esquilo e uma barba bonita. Se você quisesse alguém para cruzar rapidamente campos de gelo desolados, e pular penhasco por penhasco atrás de um cabrito das montanhas, Tell era o homem para o seu dinheiro*. Se você quisesse um homem para dizer palavras rudes ao Governador, era a Tell que você deveria pedir em primeiro lugar. Uma vez quando ele estava caçando na ravina selvagem de Schächenthal, onde homens raramente eram vistos, ele encontrou o Governador cara-a-cara. Não havia como se livrar. De um lado a parede rochosa se erguia absoluta, enquanto abaixo o rio rugia. Assim que Gessler teve a visão de Tell vindo a passos largos em sua direção com sua besta, suas bochechas ficaram pálidas e seus joelhos tremeram, e ele se sentou numa rocha se sentindo realmente muito mal.

“Aha!” disse Tell. “Oho! Então é você, não é? Eu conheço você. E que pessoa legal é você, com suas taxas sobre pão e ovelhas, não é! Você vai ter um mal fim dia desses, isso é o que vai acontecer com você. Oh, seu velho malvado! Pff!” E ele seguiu o caminho com um olhar de escárnio, deixando Gessler pensar sobre o que ele tinha dito. E Gessler desde então teve ódio dele, e estava apenas esperando a chance de fazê-lo pagar.

“Guarde minhas palavras,” disse a esposa de Tell, Hedwig, quando seu marido lhe contou isso após a ceia naquela noite – “guarde minhas palavras, ele nunca vai te perdoar.”

“Eu o evitarei,” disse Tell. “Ele não vai me perseguir.”

“Bem, pense no que faz,” foi a resposta de Hedwig.

Em outra ocasião, quando os soldados do Governador estavam perseguindo um amigo dele, chamado Baumgarten, e quando a única chance de escapar de Baumgarten era cruzar o lago durante uma tempestade feroz, e quando o barqueiro, sensivelmente notando “Quê! Eu devo correr para a boca da morte?** Nenhum homem em seu perfeito juízo faria isso!” recusou-se a alugar seu barco mesmo pelo dobro do preço da passagem, e quando os soldados se aproximavam para capturar suas presas com gritos medonhos, Tell pulou no barco e, remando com toda a sua força, trouxe seu amigo a salvo ao outro lado depois de uma passagem agitada. Isso fez Gessler, o Governante, irritar-se ainda mais com ele.

Mas era como atirador que Tell era tão extraordinário. Não havia ninguém em todo o país que tivesse metade de sua habilidade. Ele participou de todas as competições de tiro em milhas de distância, e todas as vezes ele ficou em primeiro lugar. Nem seus rivais poderiam evitar elogios à sua habilidade. “Veja!” eles diriam, “Tell é um grande caça-prêmios,” querendo dizer pela última palavra um homem que sempre participava de todos os concursos, e sempre os vencia. E Tell diria, “Sim, realmente eu sou um caça-prêmios, pois eu caço para premiar minha família.” E assim ele fazia. Ele nunca voltava pra de sua caça para casa de mãos vazias. Algumas vezes era um carneiro das montanhas que ele trazia na volta, e então a família o comia assado no primeiro dia, frio nos próximos quatro, e picado no sexto, com pedaços de torrada nas beiradas do prato. Algumas vezes era apenas um pássaro (como na capa deste livro), e então Hedwig diria, “Guarde minhas palavras, este frango não vai dar pro gasto.” Mas sempre dava, e nunca aconteceu de não terem nem um frango para comer.

















De fato, Tell e sua família viviam uma vida muito feliz, contente, apesar do Governante Gessler e seus impostos.

Tell era muito patriota. Ele sempre acreditou que algum dia a Suíça se ergueria e rebelaria contra a tirania do Governador, e ele costumava ensinar a seus dois filhos, para mantê-los sempre preparados. Eles iam marchar por isso, batendo canecas de cobre e gritando, e juntos se divertindo imensamente, entretanto Hedwig, que não gostava de barulho e queria que Walter e William a ajudassem com seu trabalho em casa, faria reclamações constantes. “Guarde minhas palavras,” ela diria, “esse espírito militarista crescente nos jovens e nos tolos não vai nos levar a nada bom,” querendo dizer que meninos que brincavam de soldados em vez de ajudar sua mãe a tirar a poeira das cadeiras e esfregar o chão da cozinha tinham todas as chances de chegar a um mau fim. Mas Tell diria, “Quem espera lutar pelos seus ideais vida afora deve estar preparado para empunhar armas. Vamos, meus filhos!” E eles iam. Era para esse homem que o povo da Suíça estava determinado a vir pedir ajuda.

















*Tell was the man for your money. Tradução literal.
**Rush to the jaws of death. Fui incapaz de uma boa tradução.