O Novo Eu é uma pessoa que gosta muito de brasilidade, de tropicália, que samba no terreiro e mata galinha preta.
Acontece que o Jack me apresentou há uns dias ao Mário Ferreira dos Santos (clicando aqui, você tem acesso a alguns textos dele), um filósofo brasileiro e bom ao mesmo tempo, por incrível que pareça a princípio. A conclusão a que isso me levou é simples: existem brasileiros bons, mas o Brasil tenta escondê-los. A situação que me ocorre é a seguinte:
Lá vai o Mário Ferreira andando feliz pelas ruas, de vez em quando apoiando a ponteira de prata da bengala sobre algum chiclete e dando um risinho triste, mas sem decepção. Quando ele grita sua premissa em tom de eureca, "Alguma coisa há, e o nada absoluto não há!", no meio da rua, esquecendo o sinal de pedestres vermelho e atravessando a salvo graças à bondade do motorista que parou fora da faixa para aquele homem nobre, um monte de gente vai buscar sacos de cem litros pretos, bem resistentes, e dizem, apontando seus dedos velhos e trêmulos por falta de auto-confiança (pois a primeira mostra de falta de auto-confiança é o envelhecimento precoce e a segunda é o tremor dos dedos): "Lá vai ele, o homem que ousou dizer uma verdade! Busquemos, prendamos e guardemos esse homem para sempre. A verdade precisa ficar segura!" E todos fazem isso, jogando Mário Ferreira num desconfortável baú de carvalho.
Depois, os brasileiros esquecem esse tipo de gente no baú, onde eles ficam guardados eternamente ou até que alguém como o Jack os solte. Mas ele é liberto já velhinho, com longa barba e cabelos grisalhos, e aqueles que antes tentaram protegê-lo do mundo para que sua verdade ficasse a salvo não acreditam mais nas palavras dele, porque "se ele não ficou conhecido até hoje, certamente não é melhor que Clarice". Clarice nunca foi presa porque nunca disse verdades. Poucas pessoas verdadeiras no Brasil estão a salvo.
Daí o meu novo surto de brasilidade-axé-meu-nego. Acredito que há mais Mários Ferreiras escondidos por aí, que talvez tenhamos excelentes escritores que ficaram "a salvo" até hoje (não faz muito tempo, conheci Campos de Carvalho e adorei), excelentes músicos, ótimos filósofos, talvez bons pintores e, menos provavelmente, bons filmes.
E não paro por aqui. Eu encontrei o culpado por isso que acontece no Brasil e, é triste, mas sou eu. Quando alguém me diz "olha, esse é um bom escritor" e o nome estampado na capa é "José", "Pedro", "João" ou "Mário", desisto antes de abrir. O meu preconceito contra o Brasil esconde os brasileiros, meus dedos são velhos e trêmulos e eu não procuro os bons brasileiros ocultos pelas gerações passadas - e talvez oculte os desta geração para o futuro.
Há no Brasil muitas coisas boas, e há coisas inclusive de que nos ufanarmos: "veja, Mário Ferreira é brasileiro", "veja, Monteiro Lobato viveu no meu país", "veja, Mário Quintana, Santos Dumont". Diogo Mainardi é, creio, o melhor polemista do mundo atualmente (a idéia de ver a Ann Coulter como boa polemista me dá calafrios e pena da terra de Mencken). Até o inventor do rádio é um padre brasileiro jogado num baú qualquer por aí, a salvo do contato com a realidade - quando ele inventou o rádio, os brasileiros diziam que aquilo era impossível e ficou por isso, ninguém se preocupou em testar, jogaram logo o pobre num baú onde ele descansa até hoje.
Enquanto eu, leitor, estou aqui, evitando os brasileiros e trocando-os por um inglês ou um francês, os brasileiros de mau gosto estão à solta, escolhendo nossos ídolos do futuro. Nossos próximos Caetanos, próximos Gils não serão melhores que os atuais (talvez piores, talvez sejam Kellys Keys) e a culpa é minha (ouso dizer que é de todos os indivíduos que olham com nojo pra tudo o que o Brasil produz, e isso pode incluir você, leitor).
A partir de hoje não terei tanto preconceito contra os brasileiros e tentarei ler alguns livros deles sem lembrar que são brasileiros. Talvez - só talvez, não posso garantir - eu consiga gostar de algum escritor brasileiro atual, sem me lembrar do fato de que ele é brasileiro (gostar de alguém lembrando que é brasileiro é como fazer uma ressalva, como dizer "ele é um excelente atleta perneta").
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