31 julho, 2007

Outro dia um amigo me disse que Machado de Assis era tão bom que nem parecia literatura brasileira. Na hora concordei, mas a sentença correta é outra: literatura brasileira é tão ruim que nem parece literatura.

30 julho, 2007

Mundo Bizarro

Saber que em Portugal eles chamam o gol de meta me faz feliz por estar tão longe da Europa.

25 julho, 2007

Lord Emsworth Acts for the Best

'Morning, McAllister,' said Lord Emsworth coldly.
'Good morrrrning, your lorrudsheep.'
There was a pause. Angus McAllister, extending a foot that looked like a violin-case, pressed it on the moss. The meaning of the gesture was plain. It expressed contempt, dislike, a generally anti-moss spirit: and Lord Emsworth, wincing, surveyed the man unpleasantly through his pince-nez. Though not often given to theological speculation, he was wondering why Providence, if obliged to make head-gardeners, had found it necessary to make them so Scotch. In case of Angus McAllister, why, going a step farther, had made him human being at all? All the ingredients of a first-class mule simply thrown away. He felt that he might have liked Angus McAllister if he had been a mule.


Relendo trechos de Wodehouse. Esse talvez seja o melhor de todos. Pode comprar o livro lá na Cultura. O título é o mesmo do do post. E não é caro, é da Penguin. E esta é a sexta frase curta de hoje.

23 julho, 2007

O vice-escolhido

Capítulo I

II.

Marcos aproveitou cada pedacinho de pão para pensar em como se livrar da responsabilidade, mas seu cérebro era mais lento que o de Anthério, e ele sempre chegava à conclusão que não havia saída. Quando pensava em renunciar, como Anthério, a linha de raciocínio o levava a um caminho de decepção e lamento, como Crisóstomo ao ser ignorado pela bela Marcela. As regras divinas estabelecem que a rainha não pode ficar desamparada, e como não existe um vice-vice-escolhido, Marcos seria obrigado a aceitar o cargo, e sua recusa à função geraria a ira divina contra ele e todos seus ancestrais e descendentes. Poucas são, nas Escrituras Secretas de Reino de País, passagens mais claras que aquela que estabelece a segurança da governante, em Mathias, 2;9-17:

9. Haverá sempre não menos que uma pessoa, indicada em nascença pelo representante legítimo do Senhor no mundo, cuja função será proteger a rainha dotada dos divinos dons da boa governança 10. Proteção essa que deve ser exercida com tanta devoção quanto a que deve cada homem ao próprio Deus, e com tanto amor quanto o próprio Deus Excelso dedica a seu povo. 11. Dois serão os escolhidos, e não mais, e não menos; 12. Um em primeiro lugar, com privilégios vitalícios por ser melhor e mais bem provido de astúcia, força física e fé, e mais dotado de beleza e agilidade, e mais capaz de derrotar o inimigo e mais valente, 13. E um substituto, que viverá sempre à margem do titular do cargo, por menos agraciado dos dons divinos, mais relapso e inepto e rebelde, e menos destro e menor e mais volúvel e tolo. 14. Caso um deles esteja impossibilitado ou ausente, o outro necessariamente ocupará seu cargo, independentemente de doença ou mal-passar. 15. Deixar o cargo será pecado mortal para aquele que está sem par na defesa de seu divino representante, e 16. A Vingança Divina recairá sobre aquele que assim proceder e sobre todos os seus ancestrais, até a primeira geração, e todos os seus descendentes, até a última.17. Aquele que assim o fizer, e seguir tudo o que manda o Verbo Primordial, será salvo, e salvas serão suas gerações anteriores, até a primeira, e suas gerações próximas, até a última.

A passagem que dizia que Anthério era mais belo que ele quase criou no país um novo ateu, porque, pensava o vice-escolhido, poucas coisas podiam estar mais erradas que esse trecho das Escrituras. Anthério era, Marcos assumia, mais alto, forte, ágil e valente, mas somente sua mãe o diria mais belo e elegante. Sempre mal vestido, com a gola da camisa aparecendo por trás do pescoço da armadura, Anthério tinha o rosto muito desproporcionado: os olhos, muito pequenos, se afastavam como de pombos, e pensar nisso sempre fazia Marcos dar uma risada um tanto debochada, mas discreta – de alguma forma Marcos conseguia isso. O nariz era grande – imenso! –, e outra ave parecia portá-lo: um tucano. Os lábios eram carnudos demais, e combinariam no rosto de um negro, mas eram muito pálidos, quase brancos, no que se assemelhavam, para Marcos, a duas enormes verrugas sob o nariz, uma acima da outra.

As mulheres do País, no entanto, eram de outro parecer: os olhos de Anthério eram os mais brilhantes do reino, e os mais azuis e mais profundos. Um tanto pequenos, é verdade, mas na posição certa, e com tamanho compensado pelos cílios longos e curvos. Os olhos de Marcos estavam tão longe de ser belos quanto de ser feios, com sua cor castanha sem graça. O nariz de Anthério, julgavam as damas, era másculo, típico nariz de homem de verdade, e o de Marcos era miúdo e afilado demais, e estaria bem colocado no rosto de uma dama, e melhor ainda no de uma daquelas princesas do passado – as princesas do passado, todos sabem, tinham os mais delicados rostos que pode alguém desejar ver: graça e formosura estonteantes, capazes de fazer desmaiar os mais fracos e manter insones os mais pervertidos. Os lábios de Anthério eram “largos nacos de deliciosa alvura”, como descrevera uma ex-namorada sua, ao passo que os lábios de Marcos eram rosados, como todos os outros do reino, e finos, como todos os outros. Resta saber se são deliciosos, que isso não declarou nenhuma ex sua e não ousa arriscar este autor. Isso, naturalmente, esquecendo o tipo físico, que Anthério tinha o corpo largo e pesado, carregado de músculos, e Marcos era esguio. Nascesse alguns séculos mais tarde, nalgum país europeu, e Marcos seria um belo jovem de rosto e corpo aristocráticos.

Marcos chegou a tentar outra interpretação para os versículos que o condenavam ao trabalho forçado, mas que tinha o maior dos salários no prazo, esperava, bastante longo, na busca de uma palavra que o salvasse do trabalho e mantivesse o prêmio, mas não conseguia se convencer de forma alguma que seus pais e seus avós o perdoariam por tamanha desfeita e artifício, e achava que as Escrituras não erravam ao considerá-lo inepto, pois nem de forçar uma interpretação astuciosa para fugir do cargo era capaz sua mente fraca, e, sob risco da punição divina, aceitou ocupar a posição, contrafeito.

Para a vistoria da Rinha Anual de Dragões, que acontecia todos os semestres na província de Anu, Marcos pediu reforço, no que foi negado pelo mensageiro real, que corria para perguntar à rainha depois de cada dúvida:

- Uma andorinha não faz verão, reclamou.

E o mensageiro correu até o salão real, doze milhas de onde estavam, onde repassou para a Rainha Neuma XXXI as palavras de seu vice-escolhido.

- Mas pode abrir a primavera, respondeu a rainha, em tom poético de quem descobre uma frase de efeito, e com voz inflexível e monocórdia.

O mensageiro correu o mais que podia, pois treinava para a Corrida dos Dragões, evento menor que acontece simultaneamente à Grande Rinha. Quando ouviu a resposta da rainha, de fato inesperada por ele, Marcos virou os olhos para cima, puxou um pouco os lábios juntos para a direita, e pôs-se a pensar por alguns minutos, tempo que o mensageiro aproveitou para se alongar.

- De que valem as flores da primavera – disse finalmente Marcos, sentindo a Eureca! estalando sobre sua cabeça - se a Rainha é alérgica a elas?

O mensageiro correu, batendo o próprio recorde, e passou a mensagem à rainha, que riu e perguntou a que se referia a pergunta, que tinha se esquecido porque o mensageiro fora lento – “e só não te demito porque fostes por Deus nomeado”, disse a soberana. O mensageiro repetiu as palavras reais que aqui não merecem mais espaço, e a rainha ficou convencida de que o reforço era justo, e que o vice-escolhido era um homem bom que valia um ajudante e um cavalo.

E com essa argumentação consistente, em que metáfora e realidade se misturaram e que despendeu de Marcos toda sua capacidade, nosso vice-escolhido conseguiu como reforço um escudeiro e um cavalo, aos quais, por capricho, chamou Rocinante e Sancho Pança, respectivamente, embora tivessem já nomes de Luís Carlos e Marcha-longa.

22 julho, 2007

Nunca li Nabokov

Ultimamente, não sei porque - talvez por uma maturidade que eu esperava não chegasse nunca - tenho reparado demais em detalhes que antes não me incomodavam muito. Percebi isso quando o tradutor de Dom Quixote o chamou de "bizarro" quando devia ter dito "elegante" e me doeu um pouco. Depois fui ler o primeiro capítulo do E-book de Reparação, do Ian McEwan, que o Ed me mandou, e vi que a linguagem tinha um efeito que ia além das palavras, como se fosse o conjunto que me afetasse, não apenas as palavras, e eu gostei, foi bonito, mas senti que aquilo me dava mais responsabilidade do que eu queria.

Agora estou com medo de abrir um livro e sair ferido mais pela aparência dele que pelo que conta, a história, e isso parece tão errado pra mim que não sei se eu conseguirei achar um dia o equilíbrio correto. É um choque quando percebemos que cada frase agora vai ser analisada, mesmo contra a nossa vontade, e muito menos livros serão bons. Sinto que se eu for reler qualquer livro infantil que me agradou quando era menino não ia gostar, talvez achasse cafona O Pequeno Príncipe, e isso me afligiu e me fez pensar se era certo ver as coisas tão sob a influência da estética.

Dizem que Nabokov desenvolveu o melhor estilo de todos os escritores da história, e nunca o li justamente por isso: ninguém comenta jamais o que Nabokov diz, apenas o como diz, e nunca me valeu muito conhecer o melhor estilista da linguagem - até porque, bem, costumo ler, por preguiça, em Português, em que algum bom estilo, pra ser mantido, precisa de um grande tradutor, como o Eça das Minas do Rei Salomão. Achava que o Português, por mais rígido que o inglês, por exemplo, dava pouca abertura para o estilo, e sempre considerava isso uma vantagem, porque a qualidade se evidenciaria mais pelo conteúdo que pela imagem.

Agora, entretanto, serei obrigado a dedicar minha vida a ler Nabokov, e apenas Nabokov, e reler, e reler, e reler, até decorar as passagens mais belas, mesmo que eu não veja conteúdo no que ele diz - duvido que não veja, certamente o conteúdo é bom, mas isso não vai me importar mais se me agrava a afetação. Passarei por passagens dramáticas como pelas partes felizes - sem esboçar sorriso ou prender a garganta para engolir o choro -, e, céus, como sou contra isso!

Já me vejo também jogando fora todos os livros da minha vida para dar espaço a novas edições de Lolita - "Traduzido da tradução francesa", "Traduzido da tradução alemã da tradução francesa" etc., como quem usa o tradutor do google, mas para melhorar - não acho que traduzir um livro de uma outra tradução o piorará sempre; é possível que a primeira tradução melhore o livro, e a tradução dela pode dar um livro ainda melhor. E assim eu brincarei: meu único divertimento quando meu mal estiver em grau máximo, quando me acometerem desmaios ao passar por algo errado ou feio na leitura. E depois eu ficarei reescrevendo as passagens em que Nabokov tenha errado, tentando melhorar o estilo onde falhar (longe de mim achar que tenho bom estilo, mas é fácil melhorar os livros dos outros. Melhorar um Nabokov é mais fácil, sem dúvida, que escrever como ele). Quando minha brincadeira estiver pronta eu não terei nada a fazer, e poderei morrer em paz.

Como quero adiar minha morte ao máximo - e ela só vai acontecer depois que eu passar por todos esses estágios -, tentarei adiar por um tempo a tentação de ler Nabokov, de entrar em contato com "o melhor dos estilos", para evitar vícios que me possam acometer. Até lá, leio minha tradução errada de Dom Quixote, tendo pequenas pontadas quando algo sai da linha, mas aproveitando enquanto ainda sou capaz de apreciar a história. Ah, e que história! Agora Dom Quixote decidiu ficar louco pra que Dulcinéia se apiede dele e o aceite. Ah, que maravilha! Ah, que livro! Talvez eu ainda tenha cura.

20 julho, 2007

O povo não sabe somar

Eu não queria falar desse acidente do avião da TAM, mas tem coisas que fogem do nosso controle e falam por si. A incrível capacidade que o brasileiro tem de se livrar da culpa por algo só porque "não foi só ele" é inacreditável e imoral. A TAM admitiu "falha", mas disse que a falha não causou o acidente. A pista estava incompleta, mas a pista não causou o acidente. Parece que brasileiro não consegue pensar que algo pode ter sido feito por mais que um fator, vários, inúmeros fatores somados, erro do piloto + erro da infraero etc, e fica procurando uma só pessoa a quem culpar: "ah, o piloto", "ah, a infraero", "ah, a aeromoça". Brasileiro não compreende o significado de trabalho de equipe, e por isso perde no tie-break de Cuba e põe a culpa em, sei lá, nervosismo, no técnico sozinho, no piloto. O piloto tem culpa, mas ninguém perde uma partida só por causa do levantador. Se levantarem mil possibilidades de culpa nesse acidente, pelo menos quinhentos culpados serão reais. Mas só um será punido, porque "se ele não tivesse errado, não aconteceria o acidente".

Aí é levantar hipótese: se não existisse piloto, não existiria acidente. E não existiria viagem. Se a pista fosse mais longa, se ela tivesse as ranhuras, se não tivesse posto de gasolina... Morreram duzentos; por que não achar duzentos culpados?

18 julho, 2007

Livros Grandes e Trechos de Tradução

Comecei a ler Dom Quixote. Acontece que eu percebi que o número de livros realmente grossos que já li é tão pequeno que me envergonho um pouco de falar. Foram quatro: Crime e Castigo, Quem é John Galt, Os Miseráveis e O Jogo das Contas de Vidro. É díficil dizer qual é melhor, mas John Galt certamente é o pior.

Ainda não cheguei nem à metade do primeiro volume, mas já quero ler Tirant lo Blanc, por causa da crítica de Cervantes - algo como "o primeiro e melhor romance de cavalaria". As primeiras trinta páginas de D. Quixote são de crítica literária, é uma maravilha. E quando a gente lê - digo isso sabendo que sou piegas, mas é emoção de verdade que preenche meu coração até a borda, e lembrar do livro mais uma vez é jogar a gota que escorre pela lateral do copo - a gente percebe que estava em dívida com a literatura, e que ela jamais ficaria feliz conosco se não lêssemos. Ler D. Quixote é pedir desculpas pelos anos de atraso em suas leituras.

Mas na verdade eu não ia ler D. Quixote, ia ler Os Três Mosqueteiros. No começo, lá pela 18 ou 19, Dumas fala que alguém (não cheguei a conferir o nome, parei antes) parecia "um D. Quixote aos 18 anos". Aí larguei os Mosqueteiros e fui ler o D. Quixote. E ah, como me arrependeria de não ter feito isso. Já me arrependi de não ter feito muito antes, de ter lido D. Quixote antes de todos os livros de aventura que já li (não são muitos, admito, mas alguns, poucos e bons). É a mesma coisa que me deu quando li Moll Flanders e Robinson Crusoé e Cândido e Sua Alteza Real e As Mil e Uma Noites (de que só li o volume I, mas logo lerei o II), e mesmo Os Miseráveis e O Jogo das Contas de Vidro, que deixei pro final pra repetir bem tarde.

Ainda não li muito do D. Quixote, algo como 1/5 do volume I, mas já deu pra saber que poucos livros serão melhores que ele na minha vida. E deu pra perceber me meu medo dos livros grandes não tem justificativa. Agora tenho um planejamento de ler vários livros grandes, pra completar ao menos dez livros grandes lidos, por mediocridade de caráter, por vaidade e por soberba, mas principalmente por medo do que estou perdendo sem ler esses livros que, apesar de grandes, podem ser melhores que os muito pequenos. Na fila estão Os Três Mosqueteiros, Guerra e Paz, As Crônicas de Nárnia, Ulisses, A História, A Montanha Mágica, A Odisséia (em prosa), talvez O Senhor dos Anéis e, se alguém quiser me dar 85 reais ou o livro de Tirant lo Blanc em português, ele entra na minha lista. Só não me peçam pra ler em catalão.

P.s.: A leitura de D. Quixote será interrompida assim que eu tiver novamente em minhas mãos o Freddy and Fredericka, que Viviane me deu no meu aniversário, mas que, relapso, esqueci da última vez que fui visitar meus pais. Um trecho mal traduzido segue logo abaixo, pra quem chegou até aqui perceber como esse livro é bom. A cena é um diálogo, em que o Prícipe e a Princesa de Gales (Freddy e Fredericka) discutem o nome de sua residência real. Desculpem pela má tradução, mas vejam vocês: é de graça!

"Freddy, por que ela se chama Mupau?", Fredericka perguntou numa voz que apesar de sua linhagem aristocrática às vezes se aproximava de um dialeto de vendedora londrina refinada, que na sua juventude ela tinha pegado de sua babá favorita e depois durante sua breve e desastrosa carreira no teatro. Freddy achava que esses vestígios eram como papoulas vermelhas e brilhantes espalhadas por campos de ouro. A rainha não achava, enxergando-os não sob uma coloração surpreendente, mas como uma irritação constante.

- O homem que a construiu a chamou de Mupau, respondeu Freddy.

- Que tipo de nome é esse?

- Português.

- Não parece Português.

- Sim, parece. Mu e pau.

- Mas o que isso significa?

- Vaca Pênis.

- O que é um Vaca Pênis?

- Eu não sei. O que você acha que deve ser?

- O pênis de uma vaca?

- Sim.

- Mas, Freddy, vacas não têm pênis, têm?

- Não, não têm.

- Então por que ele chamou este lugar assim?

- Porque ele não queria que ninguém o achasse, e um pênis de vaca é inexistente.

- Se eu tivesse um nome como esse, eu mudaria.

- Eu também, embora não tenha mudado meu nome de Freddy Finney, mudei?

- Você teria mudado se ele fosse Freddy Pênis de Vaca.

- Discordo. De fato, eu mudaria meu nome para Freddy Pênis de Vaca.

- Mude você ou não, vamos mudar o nome da casa para algo diferente de Mupau.

- Eu estou em Mupau há quinze anos e nunca tive problema. Mupau é um nome esplêndido.

- Mas não vai ser engraçado quando a televisão nos visitar e disser, 'aqui estão o Príncipe e a Princesa de Gales em Mupau'?

- Não, porque nem a televisão nem ninguém vai jamais saber desse lugar.

- Mas é tão bonito. Devia estar nas revistas.

- Nunca nas revistas, Fredericka, nunca. Deve ser um segredo. Mas se você quer realmente mudar o nome, talvez possamos.

- É um começo.

- Sabe, quando eu comprei, eu queria chamá-la por algum outro nome, algo magnífico e nobre, algo de que, desde que eu era um menino, eu gostaria de chamar uma propriedade no campo.

- Nada como Mupau, espero.

- Nada, de forma alguma. Aliás, é o nome que deve pertencer ao mítico rinoceronte branco de Bechuanaland, que na verdade é real, embora ninguém acredite em mim. Ele sempre me fascinou, e não vejo porque não podemos usá-lo em vez de Mupau.

- Qual é o nome?

- Mohoohoo.

- Mohoohoo? Não mesmo.

- Sim, tão elegante, disse Freddy - Eu queria chamá-la de Ostrich-hurst, mas então eu percebi que esse era o nome de um dos retiros secretos do meu pai, no St. Mary Hoo. Mohoohoo é melhor, de qualquer forma, mais sofisticado.

- Por que não algo como... Cliveden ou Hampton Court?

- Esses nomes já foram tomados.

Agora, bem tensos, eles não estavam mais se tocando e tinham esquecido o cheiro das rosas. - Eu não posso viver num lugar chamado Mohoohoo - Fredericka declarou - É ridículo.

- Então vamos manter Mupau.

- Imagine isso na Vogue - ela disse - Eu ficaria tão constrangida.

- Você sobrevive ao contrangimento em consideração à casa do seu pai, que, caso você tenha esquecido, se chama Feta.

- O que há de errado com isso?

- É um queijo.

- É um queijo delicioso, Freddy. E Mupau é uma casa tão maravilhosa, por que chamá-la Mupau ou Mohoohoo? Que tal algo mais convencional?

- Como?

- Edam, ou Gorgonzola.

Por um instante, Freddy ficou emudecido. - Esses são queijos - ele disse.

- E?

- Você não pode chamar uma propriedade pelo nome de um queijo.

- Claro que pode - ela disse, como se falasse com uma criança - Por que não? Que tal Sapsago Hall ou Mussarela? Já sei: 'A princesa de Gales em sua propriedade, Camembert'.

13 julho, 2007

O vice-escolhido (or The chosen two)

I.

Marcos Sant'Ana nasceu com um propósito muito pouco especial: ele era o vice-escolhido para proteger a vida da Rainha Neuma XXXI (Neuma é um nome muito comum na terra de Marcos). Durante toda a história os vice-escolhidos existiram, e você nunca ouviu falar deles porque eles nunca foram necessários. A única vez em que se precisou de um deles foi numa tarde de primavera, no reinado de Neuma IX, a Comensal dos Mortos, e sua função foi apenas a de retirar do jardim as margaridas que floresciam, porque Neuma IX era bastante alérgica a margaridas e seus espirros constantes a estavam conduzindo aos poucos à morte por estafa e constrangendo todos os esqueletos que se sentavam à mesa com ela (Na verdade, os convidados de Neuma IX eram as cinco primeiras Neumas, um pretexto para repelir os comensais vivos e economizar na conta do açougue no fim do mês).

Infelizmente os feitos desse vice-escolhido foram deixados em segundo plano graças aos feitos do Escolhido, que naquele momento lutava contra uma hidra de duzentos metros de altura - o que, medidos os fatos, não adiantaria muito se a rainha morresse de estafa por causa das margaridas, mas o tamanho da missão do Escolhido, comparada à de seu substituto, acabou ofuscando sua tarefa que, de fato, teve mais relevância para a história desse país - que, por sinal, chama-se justamente País. Nunca mais se contou a história desse valente vice-escolhido, que lutou contra as margaridas pela vida da rainha, a não ser nos círculos dos vice-escolhidos, que se reuniam todas as semanas para relatar seus feitos (ou a preparação para fazer algo grande. Todos os vice-escolhidos treinavam todos os dias enquanto torciam para que o acaso tirasse o Escolhido de sua função por qualquer motivo fútil - uma gripe, um resfriado, dengue... menos a morte, caso em que haveria substituição imediata do Escolhido por outro Escolhido, ficando o vice-escolhido sem funcionalidade - para que pudessem pôr em ação seus músculos bem treinados e sua mente rápida e sagaz em defesa de seu protegido). Todos se preparavam para fazer algo grande, menos Marcos. E, como sempre acontece nos romances, Marcos foi o único deles a quem coube uma missão importante. Mas isso vem depois. Primeiro os bois, gordos, feios, malhados e sujos; depois a carroça, abarrotada de tecidos e pedras preciosas. A missão que Marcos cumpriu vem depois da explicação de como Marcos vivia.

Uma pequena cabana, provida, como de regra, pelo Estado, era o abrigo de Marcos. Pequena de fato, e não por enfeites lingüísticos: doze metros quadrados. Mas Marcos estava bem em sua cabana de dois por seis e sequer invejava a vida de Anthério, o Escolhido, a não ser pela inicial maiúscula de seu cargo e o banheiro dentro da casa - Marcos odiava ter que aparecer para todo mundo quando a natureza chamava e tentava só usar o banheiro uma vez por dia, na hora do almoço, quando todos estivessem ocupados demais com fígados e medalhões de frango e bacon. A casa de Anthério era de alvenaria, uma fachada larga com um frontão em semi-círculo que Marcos considerava extremamente brega. A cabana de Marcos era como toda cabana deve ser, só que retangular. Anthério tinha um jardim com tulipas e rosas, mas no quintal de Marcos não crescia nem grama. Em compensação, o trabalho de algum passarinho centenas de anos atrás rendeu a Marcos um enorme pinheiro, que cobria de sombras sua cabana e a terra seca e vermelha do chão além da sua porta. Anthério, apesar de Escolhido, era invejoso, e plantou em seu jardim fértil dezenas de pinheirinhos, que em duzentos ou trezentos anos seriam tão frondosos quanto o de Marcos. Até lá, o vice-escolhido se contentava com sua árvore singular.

O motivo da tranqüilidade de Marcos com seu corpo e sua mente era graças a Anthério, e todos os dias Marcos agradecia secretamente a ele por nunca adoecer, nunca espirrar, sequer. Nunca falhar. Naturalmente Marcos nunca expunha sua gratidão, porque seu orgulho e sua honra sairiam feridos desse elogio. Marcos tinha uma rede em sua cabana, que era pendurada diagonalmente, cobrindo três metros do corte de sua casa (que, é óbvio, não tinha paredes internas), e nela passava todas as manhãs e todas as tardes, sempre com um pouco dos tira-gostos que os cidadãos ofertavam à Sua Majestade, a Rainha Neuma, e alguma bebida, geralmente vodka e, mais raramente, uísque. Sobre as coxas havia sempre um livro pousado, aberto em qualquer página aleatória, mas sempre anterior à página marcada pelo clipe prateado que marcava o ponto que Marcos já alcançara em sua leitura. Enquanto bebia e comia aperitivos, Marcos relia trechos interessantes do romance que sempre adiantaria à noite, depois de chegar da Taverna do Moisés, o judeu da cidade, o único que vendia fiado. Antes de ser chamado a cumprir a missão que será narrada aqui Marcos lia um romance inédito de Daniel Defoe, que era um vice-escolhido como Marcos, relapso, mas, como todos os outros, nunca foi chamado a trabalhar e foi lembrado apenas por seus romances e contos. Marcos só ia às reuniões dos vice-escolhidos quando Defoe combinava de ir com ele, para não ficar monótono demais, e nessas reuniões o inglês passava a Marcos trechos de seus novos escritos.

Esse livro era especialmente bom: falava da história de uma moça, ainda sem nome, que viajava o mundo vendendo cocadas, mas que, por vender uma cocada sem leite condensado como cocada de leite condensado, foi presa na Arábia e transformada em escrava por um mouro, que se apaixonou por ela depois de algum tempo. Ela era casta e tentava de toda forma fugir dos braços desse mouro, até porque ele tinha piercings e ela nunca concordou que piercings fossem bonitos - "a não ser na sobrancelha", dizia - e porque sua criação puritana não permitiria que ela se relacionasse com um muçulmano. O amor dele por ela era tão grande que ele se livrou dos piercings e se converteu ao cristianismo. Entretanto, como não entendia muito bem das religiões ocidentais, escolheu o catolicismo como religião a seguir. Uma noite ela preparou tudo para fugir, embriagou o mouro e... a releitura de Marcos foi interrompida por batidas desesperadas na sua porta.

- Seu Marcos, seu Marcos!, gritava a voz já rouca do outro lado, como quem gritasse a quinze minutos.

- Que foi, homem?, perguntou Marcos enquanto abria a porta.

- Estou gritando a quinze minutos! Seu Anthério renunciou!

- Ah, desculpe, eu estava... me exercitando. Mas que você disse que o Anthério fez?

- Renunciou.

Marcos ficou branco. Depois roxo. Aos poucos recobrou sua cor natural, que fica entre o rosa e o amarelo, depois de passar por tons azulados e vermelhos. Ninguém jamais havia renunciado ao cargo de Escolhido e a renúncia não era um caso previsto no regulamento para a contratação de um novo Escolhido. O vice, portanto, deveria ser efetivado no cargo, embora não deixasse de ser vice. Isso queria dizer que Marcos ia precisar trabalhar sem, no entanto, melhorar de condições. Sua cabana seria a mesma, seu banheiro continuaria igual, mas agora ele devia proteger efetivamente a rainha. Ele precisaria lutar contra os inimigos que aparecessem e nem mesmo ia ganhar o bastante para comprar mais uísque. E o pior: Anthério continuaria com todas as regalias de um Escolhido, porque ele nascera com esses direitos. Parece que durante muito tempo Anthério vinha estudando uma forma de se livrar do trabalho sem perder seus direitos, e essa brecha na legislação permitiu que seus planos se concretizassem. Se antes Marcos agredecia por Anthério ser tão perfeito, agora não havia quem ele odiasse mais profundamente, e as suas pupilas se contraíam apenas de começarem a pronunciar seu nome - o que quer dizer que sempre que alguém falasse "antena", "antes" ou "antílope" suas pupilas se contraíam; mas logo relaxavam ao perceber o fim da palavra.

- E isso não é nada! Ele renunciou justo no mês da Rinha Anual de Dragões, e o reino está sem nenhum domador. A rainha espera que o senhor, como vice-escolhido, seja capaz domá-los caso decidam cuspir fogo por aí como ano passado.

- Er, eu dou um jeito, disse Marcos, que não queria parecer despreparado. - Mas precisarei de bastante queijo emental pra me preparar.

- Hum, são exigências ou só sugestões?

- Longe de mim exigir alguma coisa da Rainha! É só uma sugestão, mas é necessário para que o controle dos dragões seja feito com a maior eficiência... dragões adoram hálito de emental. Se vier misturado com brie, então...

A conversa de Marcos foi tão convincente que em poucas horas ele tinha um fondue de seis queijos o esperando na sua porta e pães de quatro tipos para acompanhar - na verdade Marcos pediu cinco tipos de pães, mas o pão de cevada estava em falta desde que o País começou uma guerra contra seu vizinho, Übër, a terra dos tremas e da cevada.

12 julho, 2007

Cinema Novo I: Cidadão Keynes

Sinopse: Multi-zilhardário vai à falência graças à política inflacionista do governo. Xanadu concorre ao cargo de uma das sete maravilhas do mundo moderno, mas perde para o Cristo Redentor, ficando em oitavo lugar, logo acima da Basílica de Santa Sofia. No final, o carrinho de neve Rosebud é queimado junto a toneladas de café.

11 julho, 2007

O Brasil vai explodir mais um foguete. Bolão do número de mortes nos comentários.

10 julho, 2007

Agora sim

Faz um tempo que quero divulgar as traduções que o Frost tem feito de textos de economistas libertários, mas eu estava esperando um novo texto do Bastiat pra linkar aqui. Divirtam-se.

09 julho, 2007

Grande vantagem

Todos os dias milhares de pessoas nos jogam na cara que Jesus morreu pra nos salvar! PRA NOS SALVAR, TÁ OUVINDO!? E repetem isso tantas vezes que é difícil mesmo não ouvir.

Acontece que Jesus "subiu aos céus no terceiro dia". Ele pode se deixar matar e subir aos céus. Se eu me deixasse matar em nome da humanidade, iria pro inferno como suicida. Por que isso? Porque Deus é nepotista. O filho Dele vai ao céu de qualquer maneira, eu corro o risco de ir ao inferno.

Além disso, qual é o custo de sofrer inacreditavelmente por uma semana em troca da vida eterna no paraíso? Eu sofreria por um mês inteiro se me garantissem que eu iria para o céu. A perspectiva futura barraria todas as possibilidades de eu negar o presente dolorido. É como gastar dez mil reais hoje com a certeza de que já amanhã você terá quanto dinheiro quiser. E, além do dinheiro, muitos pastéis de nata - mais do que você pode imaginar.

No fim das contas a morte de Cristo foi apenas um investimento. O melhor investimento de todos os tempos - risco zero, retorno imediato, lucros inimagináveis. Pena que uma oportunidade dessas só apareça uma vez na vida...

03 julho, 2007

Preciso de um nome

Eu tava pensando em fazer algo como um portal de blogs. Desde pouco antes de surgir o Breviário, na verdade, mas depois que ele surgiu eu pensei "Ei, isso deve ser fácil. E não deve ser caro". Quase desisti quando encontrei o primeiro problema: e o nome? Aí lembrei: "ah, eu tenho leitores bem dispostos, bem alimentados e criativos que podem me dar nomes em troca de... de... de gratidão, que a solidariedade é uma coisa linda". O mais legal é que já tenho uma seleção inicial de uns cinco ou seis blogs que podem fazer parte do portal, todos eles bons.

O layout, já imagino, seria lindão, feito pelo Frost, que também seria membro do grupo (falando em Frost, vocês podem ler resenhas de cinema dele no Roliudi, onde ele usa o pseudônimo Erick Vasconcelos). A Noodle seria a responsável por fazer os contos engraçados e o Caio faria os contos mais sérios - não sem humor, naturalmente. É claro que ninguém teria um tema único, porque sou muito liberal com os blogs. Se a Noodle quisesse postar textos escaneados, como o último, tem esse direito. O Rafael poderia fazer seus posts-resenha-padrão, e entraria só porque é meu colega de faculdade. E porque decidiu há um tempo que só leria livros bons, o que pode me dar uma boa base para ler algo novo. A Cammy, que tinha o Wonderland e tem um dos melhores Stumbles que conheço, se aceitasse, seria responsável pelos posts mais stylish do portal sem nome. Eu faria o que já faço aqui, mas tentaria melhorar pra enfrentar a concorrência.

Se meus leitores forem gentis o bastante também aceito sugestões de hospedagem, domínio e todas essas coisas burocráticas. Obrigado.