26 junho, 2007

A solenidade que estraga a arte

Às vezes eu fico pensando que só não gosto de alguns tipos de arte porque se levam a sério demais. O surrealismo, por exemplo, pode ser divertido. Mas céus, como são chatos os surrealistas, com aquele papo de psicológico e sabe Deus mais o quê. Falta humor na arte.

Eu até simpatizo com o dadaísmo - ah, vamos fazer piadas de tudo -, mas tem gente que leva o dadaísmo a sério. Pessoal, é uma brincadeira. Pessoas reverenciam o "ceci n'est pa une pipe", do Magritte, com muita solenidade. Parece que não entendem que aquilo, se não é um cachimbo, é uma piada. O surrealismo todo é uma piada. Todo o dadaísmo é uma piada. E isso não é diminuir nenhum dos dois, é pô-los nos seus lugares.

Se a arte tem uma intenção, e se essa intenção é o lazer contemplativo, nada melhor que uma piada desenhada. Por que as pessoas se recusam a ver que a arte contemporânea é uma piada? É isso que analisarei com muita imparcialidade logo abaixo:

Porque são imbecis. Idiotas. Retardados. Retrógrados além do que me acusam ser - sim, porque me chamam de retrógrado. Ao que me parece são eles, e não eu, que se prendem a uma visão antiga de arte para analisar a arte atual. É como se ligar às cavernas para julgar a arquitetura medieval, ou (acho mais apropriado) se ligar à arquitetura medieval para julgar a moderna. A arquitetura moderna é uma piada, a medieval era divina. A arquitetura moderna vai pro inferno.

As pessoas exigem uma mudança na arte, mas não aceitam que ela mude de sentido. Não aceitam que uma piada pode ser tão boa quanto uma oração, tão agradável quanto um quadro sério de um homem de bigodes em fundo preto. Querem revolucionar, mas mantêm-se presos a um significado antigo. Querem implantar uma arte irreverente relevando completamente a irreverência dela em nome de algo sublime que "deve estar ali, em algum lugar sob a tela".

Entenda-se que não se trata só de meu gosto - particularmente gosto de alguns textos dadaístas, como o manifesto de Tristan Tzara (e aquela história de "por princípio, sou contra princípios"? E "ser contra nós é ser um de nós"? Ninguém vê a piada aí? Façam-me o favor) -, mas de um fato que me entristece às vezes, que é a oposição que encontro às artes solenes. Ninguém sabe se opor devidamente ao academicismo, e eu resolvi assumir o papel, muito dadaísta, de me opor a mim mesmo e explicar os motivos de o surrealismo poder ser aceito como arte, de o dadaísmo poder ser aceito como arte, e transformá-los apenas numa arte não muito boa a meu ver. Deixe de ser uma questão de não presta para ser uma questão de eu não gosto.

Falo sério. Meu coração dói ao dizer isso, se contorcendo em espasmos de amargura por ter que dar o átrio a torcer, mas o dadaísmo e o surrealismo são tão arte quanto o barroco e o romantismo, e o que os diferencia é apenas o bom gosto do observador - que deve, em situações normais, tender ao barroco e ao romantismo.

A solenidade não é característica da arte, mas de uma época dela. O problema é que se deu tão bem com a arte que, quando foi ser substituída, as pessoas simplesmente se recusaram a aceitar o substituto - no caso, o humor. Pois não é que ele está lá, validando toda a minha tese?

(Não que não haja humor nas obras medievais, mas ele é mais sutil, quase transparente. A função dele é secundária. É como a solenidade, que ainda aparece em algumas obras surrealistas, mas lá atrás, bem no fundo, só pra marcar presença e não reprovar por falta).

Comparem, por exemplo, a Natureza Morta-viva, de Dali, com qualquer quadro de Rembrandt (sugiro a ronda noturna ou a lição de anatomia do Dr. Tulp) e vocês vão ter uma idéia do que estou falando.

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