04 abril, 2007

Não confie em escritores deselegantes

Quando vejo um maltrapilho enquanto caminho pelas ruas, tão logo vou para a calçada oposta e caminho em velocidade superior, como antílope ao ver que não muito longe há um tigre. Todos fazem isso. O mesmo vale para os escritores ruins, mas poucas pessoas notam a semelhança.

Entrando em uma livraria, tento ao máximo manter distância dos escritores muito ruins, mesmo que estejam ao lado de P.G. Wodehouse. Tento curvar um pouco o braço e dar a volta aos livros do mau escritor, tocando apenas no bom livro do escritor de qualidade. Caso seja impossível, chamo um daqueles funcionários da livraria para que busque o livro bom pra mim, e rezo que não haja nenhuma cicatriz quando ele voltar. Geralmente não há, mas é porque são profissionais e devem ir armados ao encontro do livro. Os maus livros de maus escritores usam de técnicas baixas de conquista, a que alguns nomeariam catárticas, mas eu nomeio apelativas, como furar a barriga de todos os que passam com canivetes e tesouras, como os canivetes e as tesouras de seus conteúdos. Ou a promessa de sexo fácil com todas as prostitutas do puteiro - e aqui nunca empregam cabaré ou prostíbulo, mas puteiro, sempre puteiro, e também para as protitutas usam putas, putas, sempre putas - onde se passa parte da história.

O resto da história se divide entre a casa bagunçada do mocinho, que geralmente é um malvado em todos os sentidos, mas é retratado como herói porque mata simplesmente pra defender sua causa - o que ainda soa muito glorioso para a história do mocinho, pois defender a causa é o que fazem os super-heróis, mas esses mocinhos defendem a causa errada e de forma grosseira. Se seus pais morreram, não foi em um assalto, foi culpa de uma orgia em que contraíram AIDS, que passaram para o filho mocinho. O mocinho mata porque tem AIDS -, e a floresta Amazônica, em que serão relatados problemas ambientais e onde, de alguma forma mal explicada, o mocinho vai parar para se aliar a uma ONG terrorista sem glamour.

A contracapa trará menções aos prêmios recebidos da UNESCO pelo autor, como "defensor das causas ambientais urgentes", "inimigo declarado do aquecimento global" e críticas positivas de todos os jornais: "um soco no estômago", se é que isso é positivo. Mas o autor se orgulha de socar estômagos, o que é extremamente deselegante e cruel. O "humor sarcástico" do autor é cortante. Depois da leitura, suponho, ou antes de terminá-la, morre-se de infecção pelo corte do humor sarcástico - e geralmente sutil ao mesmo tempo. Sarcástico, cortante e sutil.

Os mendigos maltrapilhos da rua são, se fato, perigosos. Mas seu perigo é evidente, não é sutil. Eles nos ameaçam antes de nos cortar, não o fazem sem aviso. "Passa a grana ou eu te furo". Se escrita por um mau escritor, até a realidade fica pior: "Eu te furo", diria o mendigo-ladrão, e furaria. Ou nem diria que fura, nem pediria o dinheiro - furaria e pegaria o dinheiro. E, se você desse o dinheiro, ele não te abençoaria, mas te odiaria porque você não deu mais. Os maus escritores pioram tudo o que tocam, tudo o que pensam, transformam em lixo cada palavra.

Sempre que estou pelas ruas e vejo de um lado um mendigo e, do outro, "as veias abertas da América Latina", vou pro lado do mendigo. E correndo.

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