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Defendo, sim, que todos os temas são possíveis para a arte. Algumas pessoas conseguem escrever bem sobre temas repulsivos, outras são capazes de pintá-los sem nos afastar. E, tirando o negócio de falar de "mundo sem amor", gosto dessa música. Mesmo da parte que fala de hipocrisia.
P.s.: Não me encham com esse negócio de "como você pôde comparar João Cabral a esse ninguém? Oh!, estou ofendido!". Não darei ouvidos.
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Manuel Bandeira não tinha telento pra falar de pobreza, por isso aquele poema "o bicho" que todos os professores fazem questão de mostrar para os alunos quando falam dele. O único poema do Bandeira de que realmente gosto é "Os sapos", principalmente a parte em que o sapo come o hiato enquanto fala sobre comer os hiatos e aquela que fala do "lavor do joalheiro", numa crítica, suponho, ao rubim de Olavo Bilac, que "num verso de ouro engasta a rima" de rubi com enfim. Nunca aceitei o "rubim" vindo de um parnasiano, parecia-me que ele era incapaz de achar uma rima adequada. E há quem critique o "futebol" com "rock 'n róll" do Chico Buarque. Pois se um parnasiano pode acrescentar uma letra a uma palavra, porque não poderia um cantor popular mudar uma entonação? Aliás, a atitude destemperada de Bilac possibilita que qualquer um se torne poeta parnasiano, pois para rimar não é preciso escolher a palavra correta, apenas modificar qualquer uma.
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Eu já falei que não sou fã de poesia? Então, não sou, mesmo. Mas gosto de algumas perdidas. Gosto de "José", do Carlos Drummond, não gosto daquele amor desvairado da Florbela Espanca. Não conheço muito de Fernando Pessoa, mas gosto de alguns dos poemas dele e mais ainda da campanha publicitária que ele fez pra Coca-Cola, na verdade um slogan, "primeiro estranha-se, depois entranha-se". E gosto do Mário Quintana com a mesma intensidade com que não gosto do Mário de Andrade. Cecília Meireles tem algumas poesias legais, como aquela que fala que não ninguém que explique e ninguém que não entenda a liberdade. Também tem aquele "ou isto ou aquilo", que lia quando menino e gostava, e aqueloutro da bailarina. Clarice Lispector, alegada "poetisa em prosa", jamais me agradou, e para mim ficou famosa só porque era esposa de um diplomata.
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Como não sou fã de poesia, vocês devem ter deduzido que prefiro a prosa. Pra mim a prosa é mais completa que a poesia, além de mais fácil. E não gera aquela contemplação meio imbecil a que se é quase forçado quando se lê poesia, mesmo que não tenhamos gostado, em busca do real significado do que o poeta quis dizer, insinuou. Não é necessário grande esforço para interpretar a prosa, nem se precisa ler a frase do fim pro começo, como no hino nacional. A prosa permite que a leitura seja mais rápida, mais fácil, tenha mais conteúdo e, dependendo do escritor, seja mais bonita e agradável que a da poesia.
Gosto desse tipo de poesia que citei porque é possível lê-lo em prosa, em linha reta: "O sapo tanoeiro, parnasiano aguado, diz: 'meu cancioneiro é bem martelado...'", "Essa menina, tão pequenina, quer ser bailarina. Não conhece o dó nem o ré...", "E agora, José? A festa acabou...", "Meu nome é Severino, não tenho outro de pia, mas como há muitos Severinos...", "É pirueta pra cavar o ganhar-pão, que a gente vai cavando...", "Não sou profeta, nem tampouco visionário, mas o diário desse mundo tá na cara...". Essas poesias não perderiam quase nada se se transformassem em prosa.
Só Mário Quintana, dentre eles, me parece um poeta puro, não-proseável ou proseável com dificuldade, e mesmo assim me agradam mais os seus poemas fáceis de transformar em prosa. Talvez a poesia seja superior quando consegue unir a forma da poesia e a linearidade comum na prosa. Em todos os outros casos, a prosa é infinitamente superior.
"O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim
O retrato na parede
Fica olhando para mim (...)"
Mário Quintana, Canção da Garoa.
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