11 setembro, 2007

A maturidade

Algo que me chateia um pouco é a vontade de amadurecer que algumas pessoas têm. Ela é tão intensa, tão, mas tão forte, que essas pessoas acham que é preciso se esforçar pra gostar de coisas diferentes, coisas de que "gente madura" gosta, não esses filmes infantis que ele assiste sempre. De repente, lá está o inconformado, o imaturo, buscando um motivo pra odiar Titanic, que era seu filme favorito até ler que Titanic não é isso tudo, não, é um filme muito superestimado. Aí, primeiro passo, odeia o filme porque existem melhores. Ou por causa do Leonardo di Caprio ("não gosto dele, não, muito artificial! E olha que cara de menino! Querem fazer ele passar por ator, pode um negócio desses?"). [Uau! Quatro sinais de pontuação juntos. Ninguém pode fazer melhor!].

Daí cai numa de odiar brigadeiro porque beijinho é mais gostoso, e em pouco tempo se torna alguém que só come um doce - provavelmente pastel de nata, mas isso não vem ao caso. Aí descobre que doces são coisas infantis e que bom mesmo, que do que o pessoal maduro gosta mesmo, ah!, é de brócolis. E se esforça por comer brócolis contra a vontade de suas papilas, que se contorcem e deformam ao longo do tempo. E pára de rir, por dois motivos: ninguém maduro ri, por incapacidade, e ninguém que come brócolis tem esse direito - a natureza veda, um ou outro.

Já na literatura, pobres autores medíocres, tão desprezados por quem é mais vivido, mais conhecedor do mundo! Nunca alguém maduro lê bestsellers. Nenhum. Se disserem que Charles Dickens vendeu mais de duzentos exemplares de Oliver Twist quando era vivo, vira um autor muito comercial. Se o aspirante a maduro for comunista, um vendido. Se for conservador, "Dickens se entregou à vontade do populacho". Em ambos os casos, "bom mesmo era quando ele não queria agradar o mercado/o povão, era underground".

Na música, o maduro abandona tudo o que ouvia na juventude pra escutar compositores clássicos. E nunca é atacado por nostalgia, nunca tem lembranças. Lembranças são para os mais infantis. Só compositores clássicos merecem o ouvido maduro. "Lembra daquela banda X?", pergunta um amigo. "Não, mas tenho ouvido bastante a Heróica" é a resposta invariável.

Não se discute, claro, que a Heróica é grandiosa. Mas para o maduro ela não é grande pelas sensações que proporciona. É grande porque é matematicamente bem composta, como uma equação do segundo grau resolvida - ah, que prazer dariam ao maduros as equações de segundo grau, se eles fossem capazes se sentir prazer!

Maturidade e sensibilidade são opostas, e eu digo que nenhum maduro consegue se alegrar ouvindo Vivaldi, nenhum maduro vê filmes por lazer, pinturas por disposição. É tudo operação mecânica, tudo baseado puramente no gosto alheio e num senso de elitismo superestimado. Porque sensibilidade é coisa de criança ou de plebe, um homem maduro não se comove com facilidade.

Para testar um maduro, se você for considerado bom por ele, se for inspiração, diga que um autor muito ruim é muito bom, que uma música de segunda é maravilhosa. Para ele é tudo igual, tudo matemática, e ele concordará. A opinião dele é a mais maleável de todas - balança ao gosto de quem tem opinião verdadeira. Um maduro critica o gosto alheio baseado no de terceiros, e a autoridade é a única língua que entende. E sai por aí, divulgando Mozart, mas com o coração opresso, louco pra dançar Calypso.


P.s.: Só lembrei disso agora que terminei de escrever: Se morre algum parente do maduro, "era apenas um amontoado de moléculas que se foi, nada com que me preocupar. Isso é tudo? Você interrompeu meu Schubert".

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