13 setembro, 2008

Pessoas não são objetos, assim como objetos não são plantas;

Logo, pessoas são plantas.

Quando tudo isso começou, eram apenas os veganos querendo me convencer de que comer carne é imoral, de que os abatedouros não desumanos, de que as plantas nos satisfazem completamente as necessidades. De todos os argumentos dos vegetarianos, o único que já me tocou foi aquele de ter pena dos animais, porque meu coração de manteiga sempre se deixa levar por qualquer apelo sentimental, por bobo que seja - quase chorei hoje, por exemplo, vendo Lilo & Stitch no Disney Channel, com toda aquela história do significado de Ohana. Fui mais tocado por aquilo que o próprio Stitch, enfatizo, embora sem provas.

Como dizia, meu coração sempre ficava confrangido ao pensar em como as ovelhinhas eram apanhadas enquanto saltavam cercas, para logo depois serem abatidas e laceradas, deixando ali chorando suas famílias.

Esse tipo de sentimento comigo, no entanto, some ainda mais rápido do que surge - e só por isso meus roommates não me pegaram às lágrimas com a história da menininha que perdeu os pais e para quem sobraram somente a irmã (e em risco de perdê-la). O sentimento se esvaiu antes que alguma lágrima caísse, e antes que eu invadisse alguma fazenda com placas de militância pró-animais e derrubasse as cercas que a ovelhinhas pulavam para que ninguém mais as capturasse. Sempre relevei esse meu sentimento e voltei a comer minha carne, geralmente poucos minutos depois.

Outras pessoas, entretanto, não se contentam em não se deixar mudar. Querem desfazer a mudança em quem mudou. É a contra-reforma veganista. De repente, todo mundo se tornou pároco, e mal está quem está de algum lado, sempre atacado por montes de idéias vazias e mentes ocas. Conservo minha neutralidade suíça e não luto por causa alguma, mantendo-me plácido à mesa, encarando um prato que espera o resultado para se encher de alface ou picanha.

O maior dos problemas é que a contra-reforma, vocês sabem, só intensifica a importância da reforma - vamos, luteranos, admitam que sem a inquisição vocês não seriam ninguém. E quanto mais intensa a reforma, mais gente está aí, disposta a derrubar a nova fachada - ou a defender a antiga, ora, não entremos nesse nível de detalhamento, que isso não acrescenta nada, e ainda embaralha as idéias.

Daí que, se não tomo partido dos reformistas (e considero os argumentos deles mais frouxos que cadarço em sapato de velhinho maneta com mal de parkinson), também não consigo levar a sério os contra-argumentos que os inquisidores encontraram por aí. Os paralelismos traçados são todos inválidos - "e você não tem pena de um pé de alface?" não convence sequer a ele mesmo, pois sabe Deus que motivos ele tem pra comparar alface a vaquinhas - e, embora caibam comparações do tipo "uma vaca pesa mais que um pé de alface", cabe também a que diz que "uma sequóia pesa mais que uma rã", embora eu desconheça alguém que tenha comido sequóias, ou pelo menos um carvalhinho que seja, e muito poucos conhecidos tiveram coragem para degustar rãs.

Fato é, eu não tenho pena de um pé de alface, nem mesmo de uma plantação inteira, e se puserem um arrozal e um trator na minha frente eu me divertiria bastante esmagando cada uma das plantinhas, enquanto tomaria cuidado para não atropelar as lebres que vivessem por ali.

Mas espera, deixa eu voltar e desfazer esse nó que tem meu texto, que está mais embaraçado que o cabelo da minha irmã depois de um dia inteiro na praia. Até agora o que eu disse foi:

1. Os veganos querem que eu pare de comer carne, mas nenhum de seus argumentos me faz levantar da cadeira;
2. Eu quase chorei vendo Lilo & Stitch, da Disney, e poderia omitir essa informação;
3. Ao contrário da minha passividade diante das observações obtusas dos veganos, algumas pessoas se irritam mais do que deviam, e acabam fazendo uma militância pró-status quo;
4. Os argumentos de simetria são inválidos, porque ninguém confundiria uma árvore com um ser vivo - claro está que árvores não têm narinas.

Agora, revisando tudo, vejo que nada do que disse está bem encaixado ou logicamente arranjado, e que se eu quero dizer alguma coisa devo parar de dar essas voltas e falar logo. Pois que seja:

Acho chato quando alguém quer me mudar ou fazer com que eu pare de comer minha picanha ao avesso recheada de provolone e bacon, mas não custa a ninguém tentar uma vez. Querer que essa briga seja cíclica e se desdobre eternamente, entretanto, com pessoas militando dos dois lados, catecismo e descatequização, para recatequizar depois, é fazer da minha paciência carne moída - nem que de soja -, e esse é um grande defeito dessa militância pró-carnivorismo, essa corda que dá para o veganismo.

O pior defeito da contra-reforma, no entanto, é sua falta de fundamentação. Embora, repito, todos os apelos éticos dos veganos não façam o menor sentido, eles apelam por eles - e isso me faz achar ainda mais idiota sua posição anti-queijo, rapaz -, para que não sejamos nazistas e respeitemos essa igualdade que vêem entre uma lagartixa e nossas namoradas.

Já os carnívoros lutam para impor uma preferência sua, algo principalmente estético. Se eles percebem que os veganos estão errados, mas concordam que não fazem mal a ninguém, deviam, como eu, ouvir calados. Se, por outro lado, eles decidem lutar contra os veganos, dizendo que eles nâo têm o direito de sabotar os açougues, nem de comparar nossas namoradas a lagartixas, tudo o que merecem é nosso ódio.

Da próxima vez que tentarem me convencer de que eu tenho que comer carne - mesmo sabendo que eu já como, e muita, mas com a sincera intenção de me convencer dos motivos para que eu coma - eu não deixarei irem embora até que eu prove que, embora eles tenham passado seus 37 anos sem ter visto nenhum, não se pode viver sem assistir a musicais, porque, veja só, é cientificamente provado que, para ser saudável, um homem deve consumir pelo menos 300 gramas de musicais por dia, que só musicais contêm os aminoácidos tal e tal, e que é incrível que eles ainda tenham forças para argumentar.

Ora, onde já se viu alguém se preocupar tanto com a boca alheia que acabasse esquecendo de cultivar a própria cabeça?
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Aqui embaixo, apenas como nota não-relacionada, digo que há um candidato a vereador do PHS (Partido Humanista S-algo) que defende a instituição da pena de morte em Recife. Não voto nele por quatro motivos:

1. Ele não tem poder para isso;
2. Ele é contraditório por estar num partido humanista;
3. Sou contra;
4. Não voto em Recife.
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E agora, em nota ainda menos relacionada, aproveito sua atenção pra enfaticamente não recomendar a peça "Seis Personagens à Procura de um Autor", do Pirandello. Eu devia ter desconfiado no prefácio, quando ele diz que é um escritor do tipo "filósofo", mas fui muito condescendente e li esse livro cuja nota que dei, no shelfari, e só porque o nome dele é legal, foi 2.

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