- É de lebre, vô?
- Cem porcento.
E o velhinho colocou sobre a cabeça do neto o chapéu de pele escura, muito largo para a cabeça do menino, cobrindo parte dos olhos e da nuca. Desajeitado, o menino beijou o avô na calva e, com o seu novo chapéu, partiu em busca de aventuras.
Sempre o impressionou a velocidade com que ele e seu avô convergiam em tamanho. Ele crescia na medida em que o pai de seu pai encolhia, e seu maior medo era que, em oito anos, seu avô não fosse mais que um bebê, e todas as histórias que ele contava hoje ficassem guardadas para sempre em sua cabecinha infantil - em oito anos, pelo menos, acho que nem vou mais querer ouvir nada dele -, consolava-se, sem piedade, mas inocentemente.
O objetivo do menino agora era reproduzir com o chapéu do seu avô tudo o que seu avô teria feito tivesse conseguido aquele chapéu na sua idade. Agora, com o passo de seu avô já lento, ele correria a cavalo por toda aquela plantação de soja e sorgo para honrar o menino que foi aquele velho.
Esse objetivo durou poucos dias. Quando seu avô lhe contara que caçara onças, que pescara tucunarés, que entrara escondido pela porta de trás do cinema, tudo isso parecia divertido. Tentou sem sucesso reproduzir. Agora era tarde.
As onças continuavam por lá, esperando uma bala de chumbinho. Também os tucunarés nadavam pelo riacho no mesmo ritmo de há sessenta anos, e o cinema continuava ali. Pião, cavalo, subir no limoeiro desviando dos espinhos, nada mais fazia sentido. Seu avô continuava sentado, e achava bonita a inocência do neto. Quando viu que o menino não se interessava mais em colher a mais linda goiaba do pé, ou em brincar de caverna sob a gruta que formava entre seus galhos o pé de carambola, chamou o menino para uma conversa.
- Me devolve o chapéu, que você tem cabelo pra te proteger.
- Tó, vô.
- Meu filho, que aconteceu que você desanimou tanto?
- Nada, vô.
Tudo isso o avô falava num tom compreensivo, e o menino respondia com vergonha de não ser como o homem que mais admirava, e por vê-lo à sua frente sabendo que ninguém jamais reproduziria o que ele tinha feito. E o tempo deste parágrafo foi silêncio, rompido pelo menino:
- Sabe, vô? Eu sempre quis fazer tudo o que o senhor fez. Sempre quis pular cercas, correr atrás de coelhos, caçar onças. Não sou bom em nada disso, vô. Tô pensando em desistir.
Ele estava triste como nunca estivera, como se houvesse morrido sua esperança de ser bom em tudo o que mais admirava.
- Que importa se você é incapaz de fazer o que eu fiz? É justamente por ser incapaz que você me admira, meu filho, e agradeço a Deus por ter um neto tão diferente de mim, tanto em gosto quanto em habilidades. Pois veja que, na época, isso era tudo o que eu podia fazer, tudo o que eu sabia fazer. Nunca me admirei por ter caçado mais onças, mas admirava intensamente seu tio Léo, que assobiava melhor que uma cotovia, enquanto eu não fazia som algum.
- Mas assobiar é fácil, vô! Não tem nenhum mérito nisso!
- O homem, meu filho, nunca dá valor ao que sabe fazer, mas acha valorosos os feitos dos outros. Não direi pra você parar de pensar assim, mas, ao contrário, peço que continue achando que tudo o que você faz é medíocre, mas que tente sempre fazer esse medíocre parecer bom. Sempre tente melhorar. Porque em tudo é possível ser bom, e no que é bom um homem honrado não vê tanto valor. Mais vale pra ele aquilo que não sabe fazer, aquilo que não tem habilidade para fazer.
- Quer dizer que eu devo te admirar, mas não tentar te imitar?
- Se você não é capaz de fazer o que eu fiz melhor que eu, tente só fazer aquilo em que você é bom. Assim poderemos um admirar o outro, sem jamais termos que nos apiedar do que o outro faz tão mal.
- Faz sentido, vô. Mas acho que não consigo.
- Ninguém consegue, filho, e eu mesmo assobio vez em quando. O homem não se livra da inveja, e imita o bom para superá-lo. Ninguém faz aquilo em que é bom, mas todos fazem o que admiram. Não sei se é um defeito, porque exige coragem, mas é meio estúpido, sim. Vê que teu tio Léo virou cantor, mas prefere cavalgar a ouvir seu próprio canto, e que eu sou fazendeiro, mas me divirto mais quando assobio que quando planto grãos...
- Mas então...
- Mas se posso assobiar é porque os grãos me dão retorno pra que fique despreocupado e permita que o sopro saia sonoro. E se teu tio tem cavalos foi com notas musicais que ele os comprou. Repito, meu filho: dedique-se àquilo em que você é bom, para que possa fazer aquilo de que gosta.
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