29 setembro, 2008

Sabe, Deus veio até mim hoje e perguntou o que se passa, porque eu acabei de dar minhas impressões sempre tão acertadas sobre a natureza humana - como a necessidade física de gostar de Chicago, ou dos Tenenbaums, ou de ler Chandler, ou de ouvir músicas de Natal em qualquer época do ano e Joaquin Sabina sempre, ou mesmo de espalhar por aí minha fixação com pastéis de nata.

Não, o sonho não acabou, como deve estar pensando a leitora. Ele foi interrompido pelas férias do padeiro que construía o melhor pastel de nata do mundo. Nesse intervalo, David Foster Wallace morreu, o governo americano tomou mais medidas erradas que o Lula tomou uísque, e o governo brasileiro idem. Já começo a achar que, comparativamente, o uísque do presidente é o problema menos explosivo do mundo. E as férias do padeiro são o mais.

Não entendo porque alguém tiraria férias enquanto eu estou em Recife, e isso faz parecer que a cidade não gira em torno de mim (e se nem a cidade gira, imagino que o mundo está longe de cumprir o seu papel). Volto hoje para um anúncio que valerá, em alguns dias, mais do que todos os papéis da bolsa de São Paulo: o padeiro voltará a trabalhar na próxima segunda.

A excitação não é pouca, vejam vocês: o mundo volta, aos poucos, a girar ao redor do meu umbigo - que é o umbigo mais limpinho das redondezas, garanto, apesar de alocado numa barriga que não é a mais desejada.

Deixe-me, portanto, dar dicas de como ser uma pessoa melhor, de como merecer o respeito de seus filhos:

1. Assista Death Note e ame;

2. Esqueça que Saramago é comunista, leia e ame;

3. Esqueça que os candidatos à prefeitura são políticos e ignore;

4. O mesmo para os vereadores;

5. Pegue o primeiro jornal que você encontrar e critique seu papel e a tinta que solta nos seus dedos;

6. Largue o jornal sem ler - apenas, por curiosidade, olhe de esguelha a manchete e sinta-se repelido por ela;

7. Odeie qualquer coisa que queira ser pós-moderna. Aquelas que são pós-modernas podem ser agradáveis, entretanto;

8. Assista Chicago. E de novo. E de novo;

9. Entregue-se a um hobby interessante: coleção de selos, hipismo, esgrima, sono;

10. Não divulgue lista das coisas que você acha serem apropriadas, porque isso mostraria o tamanho de seu mau gosto e sua inevitável inferioridade em relação a mim. E ela talvez incluísse recomendações à leitura de gente como James Joyce, que, embora possa ser lido, não deve ser recomendado. James Joyce deve ser como a masturbação de milhões de intelectuais mundo afora, ou a coisa fica indecente.

Ninguém jamais gostou de James Joyce por causa da história de Ulysses, e nem tente me convencer pela forma. O assassinato do romance me causa mais dor que excitação, veja bem, porque o romance é o estilo em que praticamente tudo o que li foi escrito. Imagina acordar e descobrir que todos os seus amigos e parentes estão enterrados, que talvez até você esteja, só por causa de James Joyce.

Guarde pra você as dores da morte do romance, que eu ignoro completamente que ela ocorreu, e sigo aqui com minha biblioteca pré-1922. E, gente, tem muita coisa boa feita antes de o romance morrer. Até depois de morrer ele deu umas fugidas da cova e disse a Joyce que não, ele, o autor, não era melhor que ele, o romance.

Você também incluiria coisas como "sofra ao ouvir falar em Paulo Coelho", e, note, essa não é a reação correta. Ao ouvir falar em Paulo Coelho devemos disfarçar o desinteresse por educação, e responder sempre com a pergunta "É?". Você, leitora, não está apta a fazer lista alguma - não se for uma lista como esta, de pretensões morais e éticas generalistas. Você até pode descrever seus dez álbuns favoritos, ou seus dez filmes, atores, livros, títulos, mas não tem autoridade para julgá-los com esse tom absoluto com que julgo tudo. A menos que você seja o padeiro, e resolva que abandonar as férias com uma semana de antecedência é uma boa idéia. Nesse caso você está certo, e nem é mesmo a leitora com que eu estava falando até agora. Aonde ela foi, aliás?

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