18 setembro, 2008

Um panfleto

Tomás, depois de muito estudo, muitas estatísticas, e todos esses processos econômicos muito complexos para serem explicados por mim, concluiu que almofadas com capa de renda eram 80% mais lucrativas que qualquer outro produto jamais produzido. Não importava a alternativa: as almofadas sempre davam 80% mais lucro que ela.

Começou tímido. Sua produção era baixa, mas dia após dia suas almofadas com capa de renda confirmavam seu otimismo inicial e se espalhavam pela cidade. Em menos de um ano seu crescimento chamou a atenção de investidores e industriais, e novas fábricas de almofadas com capa de renda surgiam.

Os lucros de Tomás, de alguma forma, não reduziam, nem eram menores os de seus concorrentes. Em pouco tempo Tomás, que começara discreto, logo dedicava sua fábrica inteiramente às almofadas com capa de renda, e montava para seus familiares fabriquetas similares.

A concorrência deixava de existir, e todos agora eram colegas. O governo, vendo tamanho crescimento de um setor tão inesperado, começava a distribuir subsídios para que toda a produção do país fosse substituída pela de almofadas com capa de renda. A moeda passou a ser lastreada por esse produto, e, apesar do crescente número de almofadas com capa de renda, não se via sinal de inflação.

Os fazendeiros, que insistiram por alguns anos em continuar suas plantações, começaram a investir nas almofadas com capa de renda depois de uma safra terrível, com preços muito baixos e produção menor ainda. Satisfeitos, ampliaram sua produção, e as linhas de produção pouco a pouco ocupavam todos os hectares de suas fazendas.

Tomás novamente revolucionou: decidiu exportar as almofadas com capa de renda. Em um fio de tempo Tomás possuía uma multinacional, e foi seguido por um par de empresários que enxergavam a mesma possibilidade. O governo decidiu que os impostos de tanto lucro não podiam ser desperdiçados, e decidiu que as almofadas seriam consideradas produtos da cultura do país. Tomás vibrou com a notícia.

Com a medida do governo, todos decidiram exportar o produto nacional - disso dependia a tradição do país, sua soberania estava atrelada às almofadas!

O crescimento do país era o maior de toda a história. O governo usava os impostos na construção de universidades de Estudos da Almofada e Engenharia de Materias Acolchoados, havia vagas para todos, dezenas de profissionais especializados, e julgava-se que as universidades poderiam até aumentar a lucratividade das almofadas. Aumentar, quem diria! Tomás comemorava cada medida em favor de seu produto, que em menos de uma década se tornara o principal aspecto cultural de seu país.

O país já vendia almofadas para o mundo inteiro, e, finalmente, pela primeira vez os lucros começavam a diminuir, agora que quase todas as casas do mundo tinham várias dúzias de almofadas com capa de renda. Para amenizar a situação, o governo retirou metade dos impostos sobre as almofadas, e manteve a arrecadação com aumento de 100% sobre produtos de luxo, e mais 15% sobre o feijão.

Com fôlego renovado, os industriais continuaram a produzir suas almofadas com capa de renda, e, para agilizar a melhoria do produto e aumentar a lucratividade mais depressa, o governo desviou verbas da educação fundamental para a universidade, que, afinal de contas, renderia muito mais dinheiro e possibilitaria a recuperação imediata da economia.

No meio tempo, alguns países vizinhos que começavam a produzir almofadas com capa de renda entraram com uma ação antitruste e drawback na OMC, e, com ganho de causa, obrigaram o país a cortar os subsídios. As almofadas com capas de renda, em um lapso, deixavam de ser lucrativas e se acumulavam nas prateleiras.

A universidade custava mais do que dava retorno, mas voltar atrás agora seria dar com os burros n'água de vez. Pesquisa e desenvolvimento foram estimulados como nunca, e a criação de novos materiais era urgente. Afinal, descobriu-se uma nova forma de polímero muito mais confortável, que salvou o país da crise por mais cinco anos - prazo em que o mundo todo se equipava de novas almofadas e se livrava das antigas, desconfortáveis.

Passados esses cinco anos, a crise voltou mais intensa. As fábricas faliam em massa, e todos os operários treinados para essa área começavam a temer pelo seu sustento. Daí surgiu um economista, de um país vizinho, que disse que tiraria o país da crise se, depois disso, ele recebesse uma porcentagem do PIB. Os industriais, desesperados, forçaram o presidente a aceitar a proposta.

O economista, então, alegou que o governo não podia ser tão frouxo, que o egoísmo dos industriais era o responsável pela crise, porque, "siga meu raciocínio", se as almofadas são tão lucrativas, é óbvio que todos eles vão produzir o máximo possível, até que essa produção supere a demanda e se acumule por aí. Mesmo assim, é preciso estimular a produção, garantir um preço mínimo e a sobrevivência financeira das empresas.

O economista também disse que faltaram ações do governo para regulamentar a produção e a exportação, e que o governo também devia ter cedido mais impostos, aberto mais portos e investido mais na universidade - "15% do PIB, onde já se viu?", ele dizia.

O governo seguiu, uma a uma, as recomendações do economista, e, cinqüenta anos depois, todas as fábricas fechadas, o país começava a se reerguer, não com a pujança anterior, mas com pequenos comerciantes que se esqueciam da lucratividade das tradicionais almofadas e começavam a investir em outras áreas.

O economista, satisfeito com seu trabalho, pediu ao governo que cumprisse a sua parte, e a porcentagem prometida do PIB não somou o bastante para fazer a riqueza do economista, que morreu pobre.

Até hoje, entretanto, ele é referência em qualquer lugar do país, e sempre que alguém fala que está sufocado por regulações e impostos, o nome dele surge para lembrar a todos do que a liberdade com a economia é capaz, e todos baixam a cabeça novamente, e perguntam ao governo que novo passo seguir.

O país nunca recuperou sua situação pré-almofadas, bastante confortável, mas segue na luta, sempre com mais e mais regras, para que o crescimento não seja exagerado, e a constância substitua a euforia. O principal objetivo do país, agora, para evitar qualquer crise, é a completa estagnação. Objetivo bastante racional, observados os efeitos negativos do crescimento econômico.

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