19 junho, 2010

Saramago

Engraçado como uns 99% dos textos pela internet estão falando mais do comunismo/ateísmo dele que de sua obra, mais de sua crença que de seus feitos, e de como deve estar no inferno ou sabe Deus onde.

De Saramago li uns quantos livros, quase toddos muito bons. Nenhum de seus livros mostra que era comunista, em nenhum deles se percebe nada de violento ou de revoltoso contra o capitalismo ou contra Deus (que, como faz o FDR, era gravado com inicial minúscula). E ele não era político. E ele não era pastor.

Quando morra o Lula, ninguém vai dizer que era um excelente churrasqueiro, que trocava pneus que é uma beleza, precisa só ver. Vão falar de como ele foi como presidente, de como ele foi como político.

Mas as mentes parecem todas cheias de política, e algumas de religião. Só se quer dizer de um ou de outro se são neoliberais ou comunistas, carolas ou ateus, como se isso estivesse no cartão de visitas de todo mundo, como se suplantasse aquilo a que todos se dedicam, dando-lhes nova identidade. "Gustavo Ferreira, Anarquista de Mercado, Católico".
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O primeiro livro seu que li foi O Homem Duplicado. Levei umas duzentas páginas pra entender seu estilo, sua linguagem (fazia então o terceiro ano, e era meio burrinho), então reli desde o começo e decidi que queria ler mais livros seus. Li A Jangada de Pedra, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Ensaio Sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte e possivelmente alguns outros de que me esqueço agora. De todos, só o Ensaio sobre a cegueira me decepcionou. Os outros me pareceram qualquer coisa entre muito bom e genial (o Evangelho um pouco abaixo de muito bom, talvez).

Depois de O Homem Duplicado, só um livro me causou a mesma boa impressão, o mesmo bom-humor: Sua Alteza Real, do Thomas Mann. Coisa de me deixar feliz por uma semana, pensando nos diálogos do Tertuliano Máximo Afonso com o Senso Comum, em como tudo aquilo estava certinho e ajustado, em como aquilo acontece e em como nunca tinha visto daquilo na literatura.

Talvez O Homem Duplicado tenha um dos plots menos imaginativos da carreira de Saramago: vendo um filme, Tertuliano encontra um Deppelgänger. Mais plausível que a viagem da Península Ibérica ou que a licença tirada pela morte, mas, na minha opinião, melhor desenvolvido.

Acho que resta agradecer pela felicidade que me deu José Saramago.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gustavo é fora de série