26 novembro, 2008

Não entendo mulheres com camisas da playboy

Você não é uma coelhinha. A menos que seja - nesse caso, prazer, meu nome é Gustavo. Não sou rico, mas serei um dia. Prometo.

E ainda que seja, pra quê a camisa?

(A menos que você seja a Cláudia Ohana. Nesse caso, pra quê tirar a camisa?)

A propósito da Cláudia Ohana, deixa eu falar da reforma agrária, que eu prometi ao Fábio (Cláudia Ohana -> Plantação -> Reforma Agrária. Tudo a ver, não me acusem de mudar de assunto).

Na verdade, o que vou escrever é uma resposta ao post do Jorge Nobre sobre a reforma agrária, que fiquei sabendo que existia por causa deste post.

No seu post, Jorge Nobre (acho o nome dele muito mais maneiro que o meu, Gustavo "Profissão de Pobre" Ferreira) diz que não leva a sério cinco assuntos. Um deles a reforma agrária. Dos cinco, levo a sério três: a reforma agrária, o racismo e outro que é tão sério que prefiro deixar que profissionais comentem.

Basicamente, ele diz que a vida de lavrador é sofrida, e que a reforma agrária perpetuaria esse sofrimento ao manter no campo alguém que teria mais suporte numa favela que num roçado. Claro. Nada mais evidente e eu seria o último a negar - que não sou cego nem míope sabe bem meu oculista. O que me motiva a levar a sério a questão agrária é, na verdade, a noção de que, se vícios não são crimes, tampouco é crime a burrice.

Lavrador A - chamemos de Romeriano - quer viver das terras de seu pai que foram griladas há 70 anos? Nada mais justo. Romeriano pode, sim, querer as terras de volta. Terra grilada, afinal, é terra roubada, e não é o passar das gerações que descaracteriza o roubo. Além disso, Romeriano gosta da vida no campo, gosta de andar a cavalo, gosta de calejar as mãos com enxada. Se pudesse escolher qualquer tipo de vida, naturalmente, seria um fazendeiro milionário. Mas, dentre as opções que tem, escolheu essa. Entre "feder numa favela" e "feder no campo" ele prefere o campo - pelo menos o ribeirão não pára de correr, como pára a água da torneira toda semana.

Um problema do texto do Jorge Nobre é que ele assume que todo mundo prefere ter assistência médica e dengue a não ter nenhum dos dois. O problema do Jorge Nobre é assumir que as opções dele para viver são mais racionais que as dos lavradores, que querem sofrer no campo. Se eu tivesse que escolher, escolheria uma favela cheia de lan houses. Meu pai, engenheiro agrônomo, tenho certeza escolheria ser lavrador. A questão aqui não é simplesmente o que é melhor, mas o que é melhor pra quem.

Além disso, se a sugestão dele aos esquerdistas fosse levada a sério - se ele acha de fato mais racional que o governo treine todos os lavradores em alguma profissão -, as vantagens dessas profissões aos poucos sumiriam, já que o excesso de oferta suplantaria a demanda e empurraria os salários pra baixo. Aí adeus à casinha na favela: vai pra baixo do viaduto.

Eu não estou dizendo aqui que o governo tenha que fazer algo. Francamente, por mim o governo explodia em milhões de pedacinhos. Tantos que nem o recordista mundial de quebra-cabeças montaria de novo. O problema é que sem essa ressalva iam me chamar de comunista ou sabe Deus o quê. Todo mundo devia perceber quando alguém não diz algo, mas a mania do povo é inferir: quando concordam com a idéia geral, inferem algo de bom; caso contrário, (fazer o quê, essas pessoas são previsíveis) acontece o contrário.

O que eu acho é que não é burrice que alguém lute pelo que quer, pelo seu desejo mais imediato. No Brasil, e é impossível encontrar qualquer fonte confiável que negue, grande parte das propriedades foi adquirida (ao menos parcialmente) através de algum crime - alguns conseguiram grilando, outros foram empurrando a cerca mais pra lá, outros usaram trabalho escravo pra lucrar mais e comprar mais terras, outros, ainda, tiveram vantagens políticas etc. Não acho que falte, em nenhum dos casos, qualquer elemento que justifique um pedido de expropriação ou mesmo uma invasão, em alguns casos.

Outra coisa que eu acho é que a comparação que o Jorge Nobre faz
Quantos progressistas estarão dispostos a trocar seus empregos de advogados, jornalistas, professores ou marajás do serviço público para ser um lavrador dono de um pedacinho de chão e plantar para ter o que comer?
é vergonhosamente falaciosa. Porque os lavradores não são advogados, jornalistas, professores ou marajás do serviço público. Eles são pobres, e a opção que eles têm é 1. ser pobre no campo ou 2. ser pobre na cidade.

Agora, deixando de lado o texto do Jorge Nobre, o que eu acho errado - e não quero que me confundam - são os critérios adotados no Brasil pra fazer reforma agrária. Em primeiro lugar, o critério de "terra improdutiva". Não é porque eu não produzo nada que aquela terra deixa de ser minha. Não é legítimo que toda terra tenha que produzir. O critério que aceito como válido possibilita a invasão até de terras produtivas, desde que tenham sido adquiridas de maneira irregular (em relação ao princípio de homestead).

Em segundo lugar, a estatização do assunto é o maior contra do movimento agrário no Brasil. Porque 1. o governo é o maior proprietário de terras ilegais e 2. os membros e/ou amigos do governo estão em segundo lugar. O movimento pela reforma agrária deve lutar contra o governo, e não com ele. Não faz sentido aliar-se ao maior dos inimigos para enfrentar um ou outro peixinho pequeno. A contradição está no fato de que você está fingindo não ver que o governo é seu inimigo, e a inconsistência no fato de que você jamais vai conseguir quantidades significativas de terras quando a maior parte delas está nas mãos de seu aliado ou de amigos íntimos dele.

Obviamente eu tenho muito mais a dizer, até porque a questão agrária, ao lado de mais um ou dois pares de assuntos, é dos mais complexos temas na doutrina liberal, mas eu já escrevi demais - repare nos calos de meus dedos - e não acho que tenho disposição para outro parágrafo.
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A propósito, clique no título.

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